O direito ao contraditório na arqueologia


Para os curiosos, o caso dos Açores é em tudo igual ao da  Madeira https://www.facebook.com/acorianosantigos/

O único argumento que vemos insistentemente repetido é o de que há uma pia com 1000 anos que comprova a ocupação pré-portuguesa nos Açores, ora por comunidades neolíticas, ora por fenícios, ora por gregos, ora por Romanos. Se por um lado esta deriva cronológica por entre culturas e conceitos tão distintos afastou grande parte do público que reparou nestas incongruências, por outro lado confundiu os restantes leitores e fez-lhes crer numa linha temporal distorcida

Com base nas 4 datações efectuadas em várias ilhas e que sugerem que os Açores foram ocupados entre 1100 e 750 anos atrás, como é que se pode extrapolar que durante o Neolítico, há 7000 anos, houve gente nos Açores? Ou que existe um columbário Romano nas Lajes com 1700 anos ou um columbário púnico com 2200 anos em São Miguel? É pois um intervalo temporal muito grande para que se possam estabelecer comparações ou analogias e suspeito que não é preciso ser perito em estatística para o perceber. A talho de foice, porque não referir a datação que foi efectuada pela APIA na base de um dos maroiços da ilha do Pico, cujos resultados apontam para o século XV/XVI ? E porque é que só esta amostra foi considerada contaminada por materiais orgânicos recentes?

Em suma, nenhuma das datações foi realizada sobre material antrópico que possa indiciar a presença de populações nestas ilhas em época anterior ao povoamento, o que me leva a outro ponto; o Prof. Félix refere, e bem, a existência de trabalhos arqueológicos nas ilhas.  já foram realizadas dezenas de escavações arqueológicas nos Açores, em âmbito terrestre e em âmbito aquático e em nenhuma delas foi identificado qualquer evidência da existência de ocupações humanas antes do Século XV. Nem um caco, um numisma, uma tégula, uma placa gravada. Nem mesmo o génio de Leite de Vasconcellos, patrono da Arqueologia Portuguesa, que nos anos 20 do século passado percorreu o arquipélago, conseguiu descortinar entre a bruma das ilhas, uma qualquer anta, menir ou vaso campaniforme que pudesse fazer valer as fantasias que ora tem vindo a público. Até a recente escavação da estrutura escavada no tufo nas Lajes, ilha Terceira, interpretada pelo Prof. Rodrigues como um columbário romano (vide o documentário Atlantis Rising) escavada por uma equipa de arqueólogos da DRC-Açores, conseguiu encontrar mais do que pregos enferrujados e cócó de pombo, ou seja, nada que pudesse permitir interpretar esta estrutura como um grande espaço funerário de época romana. (Poderíamos aqui volta à estatística: A existência de 176 nichos onde se depositavam as urnas dos mortos significaria pois a existência de uma comunidade com algumas centenas de pessoas. Qualquer arqueólogo que já tenha escavado uma villa ou um vicus romano sabe que nestes assentamentos surgem quantidades industriais de cerâmica, associadas a descartes intencionais após o fim de vida das peças ou após o abandono do sítio. Na maior parte das vezes nem é preciso escavar para perceber que estamos perante um sítio romano, tal é a concentração de cerâmica que se vê à superfície. Obviamente, nada disto se observa na Terceira – digo eu e dizem os arqueólogos que lá trabalharam – mas é um dado que não interessa a um Físico, que pouco ou nada liga ao que diz a Arqueologia e que há-de continuar firme – e sozinho - na sua fé.)

Um dos mais recorrentes argumentos dos defensores do passado pré-português dos Açores para rebater a crítica dos arqueólogos e historiadores que contestam as suas efabulações é o facto desses arqueólogos e historiadores nunca terem posto os pés nas ilhas para verem in loco os seus achados. Além de ser pura mentira – recorde-se a comissão de peritos que se deslocou à Terceira a pedido do Governo Regional e de outros arqueólogos, incluindo este que vos escreve, que conhecem bem a realidade das ilhas – funciona como uma faca de dois gumes; Quantas dessas pessoas que tão acerrimamente defendem estas mirabolantes teorias, terão visitado a Anta Grande da Comenda da Igreja ou os alinhamentos de Karnak? Quantos terão visitado o Parque Arqueológico de Foz Côa para verem as gravuras? Quantos terão visitado um columbarium romano ou visto um templo a Tanit? Quantos se terão dado ao trabalho de ler artigos escritos por arqueólogos que escavaram e estudaram estruturas megalíticas, habitats neolíticos, columbários romanos e rotas comerciais púnicas que dizem que nada do que foi encontrado nos Açores remete – nem de perto – para as funcionalidades e cronologias que lhes são atribuídas pelos investigadores dessa delirante fantasia que é o passado pré-histórico/púnico/romano do arquipélago dos Açores?

A estratégia favorita destes investigadores passa também pela insinuação de que a resistência ás suas teses é feita por um grupo de velhos do restelo irredutivelmente entrincheirados nas sua cátedras, com receio que o avanço do conhecimento os faça perder as muitas regalias que usufruem, o que denota uma completa falta de noção do estado actual da Arqueologia em Portugal. Em verdade, os velhos do restelo são arqueólogos, historiadores e todas as pessoas com bom senso que pedem cautela na divulgação destas notícias, sempre desprovidas de fundamento científico. Não há nenhuma conspiração para ocultar descobertas científicas, não existe má vontade por parte dos arqueólogos em reconhecer que a História dos Açores possa ser reescrita, tal existam evidências para tal. 

A sugestão de coimas para os detractores das teorias do Prof. Félix só pode ser considerada uma manifesta prova de mesquinhez, é indigna de um homem de ciência como ele e relembra-me o caso de uma reputada Professora que rebateu o caso do povoamento pré-português dos Açores e que à conta dos devaneios e queixas da Dra. Antonieta Costa, ficou com termo de identidade e residência durante seis meses.

Enviado por Denúncia Anónima 
Terça-feira, 07 de Janeiro 2020 22:44
Texto enviado pelo autor. Título e Ilustração CM inspirados no texto.