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EasyJet ameaça deixar de voar para a Madeira e promete processar Estado português
Por causa do novo modelo de subsídio para os passageiros residentes na Madeira, a easyJet, promete encerrar as rotas para o Funchal, de Lisboa. em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, José Lopes, diretor geral da easyJet para Portugal, revela que a decisão pode abranger voos da companhia para o Funchal provenientes de outras origens europeias. E promete processar o Estado português em Bruxelas. O destino turístico da Madeira está mais uma vez sob pressão.
Por causa do novo modelo de Subsídio Social de Mobilidade (SMM) para os passageiros de transportes aéreos residentes no arquipélago da Madeira, aprovado de forma surpreendente na semana passada na Assembleia da República, no âmbito da discussão e votação global final do Orçamento do Estado para 2020, a companhia aérea easyJet ameaçou cancelar as rotas que opera hoje em dia para o Funchal. A Transavia também já admitiu cancelar a sua rota a partir do Porto, sendo uma incógnita o que a TAP vai fazer.
Em entrevista exclusiva ao Jornal Económico, José Lopes, diretor da easyJet para Portugal, reitera a intenção de a companhia aérea deixar de voar de Lisboa para o Funchal, mas também de outros destinos europeus para a capital madeirense, o que terá um impacto negativo na economia e no turismo madeirenses muito mais grave, ao nível das receitas, emprego, fecho de empresas, etc.
Com cerca de 600 mil passageiros transportados de e para a Madeira todos os anos, a easyJet é a segunda maior operadora para o arquipélago neste momento. José Lopes pretende demover os políticos de avançar com esta medida, anunciando a intenção falar com os partidos com assento parlamentar e de ter audiências a Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, e ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Mas, se a medida for mesmo avante – algo que José Lopes calcula que vai custar aos cofres do Estado cerca de 200 milhões de euros já neste ano de 2020 – a easyJet vai avançar com uma queixa contra o Estado português na Comissão Europeia, podendo o Governo Regional da Madeira ser outro dos alvos desta ofensiva nos tribunais da companhia aérea.
O que é que se passa com o subsídio da mobilidade para os passageiros na Madeira, que foi aprovado na Assembleia da República na semana transata e que levou a easyJet a ameaçar deixar de voar para o Funchal?
O Subsídio Social de Mobilidade (SSM) existe para os residentes da Madeira e nos Açores, para compensá-los da insularidade e respeitar o preceito constitucional da continuidade territorial do Estado português. Através do SSM, os passageiros compram um bilhete e só pagam uma parte do seu valor, sendo o restante financiado pelo Orçamento do Estado. As regras do SSM têm regras muito parecidas na Madeira e nos Açores. Até 2007, as rotas para a Madeira não estavam liberalizadas, eram rotas de serviço público. O passageiro residente na Madeira pagava 220 euros por cada bilhete e as companhias de aviação recebiam mais 118 por cada bilhete do Estado.
O que é que se passou a partir de 2007?
As rotas para a Madeira foram liberalizadas em 2008, o que possibilitou a abertura do mercado e a entrada de novos operadores. Neste momento, voam de Lisboa e do Porto para o Funchal a TAP, a easyJet e a Transavia. A TAP e a easyJet voam para o Funchal de Lisboa e a Transavia do Porto. Nestas rotas liberalizadas já não há preocupações de serviço público, mas tem de se cumprir um número específico de requisitos. Já não há obrigações de serviço público porque, como estipula a União Europeia, a oferta existente no mercado tem de ser três vezes superior à procura de residentes. Os modelos de SSM que existiram até agora nunca impediram que a continuidade territorial tivesse sido posta em causa.
E como evoluiu o desempenho da easyJet nos voos domésticos [de e para Lisboa e para o Porto] para a Madeira desde que passou a voar para região autónoma?
Desde 2007, último ano antes da liberalização, até ao ano passado, 2019, tivemos uma aumento de 42% nos passageiros de e para a Madeira. E os residentes mantiveram a sua quota, em cerca de 30% dos passageiros transportados, pelo que também cresceram 30%. Isto prova que é completamente falso quando se diz que o anterior sistema de SSM põe em causa a continuidade territorial.
Desde 2007, como evoluiu o modelo de SSM para os passageiros residentes na Madeira?
Entre 2008 e 2015, passou-se para outro sistema de SSM. Os passageiros residentes da Madeira passaram a ter um direito de reembolso de 60 euros em voos de ida e volta e de 30 euros num voo num só sentido. O reembolso podia ser concretizado aos balcões dos CTT. Esta medida custava cerca de seis milhões de euros ao ano para o Orçamento do Estado em 2014.
Então, o que é que se passou em 2015?
Em 2015, foi liberalizado o espaço aéreo dos Açores. E a região dos Açores inventou um SSM que criava um intervalo aberto de preços de bilhetes para passageiros residentes. Na Madeira, quiseram copiar este sistema. Neste sistema, o passageiro ficou responsável por pagar até 86 euros, até 65 euros se for estudante. Criou-se um intervalo entre os 65 e os 400 euros, uma decisão política. Se o valor do bilhete ultrapassasse os 400 euros, o passageiro teria de pagar o remanescente. Pela nossa experiência, os passageiros que ultrapassavam este limite de 400 euros por bilhete eram uma percentagem ínfima, mas este sistema veio trazer muita ineficiência.
Ineficiência, como?
Basta ver que no ano seguinte, 2015, o custo do SSM, só na região da Madeira, para o OE passaram de seis para 24 milhões de euros. No último ano, em 2019, os custos para o OE com o SSM, só na Madeira, já foram de 45 milhões de euros. Isto explica-se pelo facto de que, quando há intervalo de preços pagos, as pessoas que querem viajar deixam de ser sensíveis ao fator preço. O sistema nos Açores, para onde, neste momento, a easyJet não voa, nem sequer há intervalos superiores. O que se passava de mal, e continua a passar-se, é que os passageiros residentes na Madeira não estão protegidos dos efeitos da sazonalidade em épocas como o Natal, Ano Novo, Festa da Flor ou Páscoa, por exemplo. O intervalo de preços não devia ser cego. Devia ser ajustado à sazonalidade. Devia definir-se qual o valor médio anual de um bilhete e depois fazer uma flutuação do valor em função da sazonalidade.
Mas, deste sistema para o que foi votado na semana passada, qual é a diferença?
O que se passou este ano é que uma iniciativa dos políticos regionais da Madeira foi aprovada na última semana durante a discussão do OE 2020. Os deputados da Assembleia da República decidiram inverter uma proposta de lei para ser aprovado na Assembleia da República um novo sistema de SSM. Aprovaram um novo sistema em que os passageiros residente da Madeira só pagam 86 euros e as companhias aéreas depois vão ter de fazer contas com o estado e receber a diferença.
E por que é que a easyJet ameaça abandonar as rotas para o Funchal por causa disso?
Nós, easyJet, não conseguimos implementar isto. Criar um fluxo de vendas para residentes completamente diferente dos passageiros não residentes. É uma questão técnica, complexa, um processo demorado. Não conseguimos fazer isso em menos de dois anos. E temos a certeza, sabemos que nenhuma companhia aérea que voe hoje em dia para a Madeira concorda que deve substituir o Estado numa relação com o contribuinte. Tecnicamente, estas rotas já não são de serviço público, mas liberalizadas. Depois, há a questão económica, porque este limite mínimo de 86 euros vai puxar as tarifas reais que hoje ainda existem para cima de uma forma inflacionada.
E isso terá custos para o Estado?
A easyJet prevê que esta medida, se for por diante, irá custar ao Estado cerca de 200 milhões de euros por ano, só para o SSM para a Madeira.
Para si, para a easyJet, qual deveria ser a solução?
Devia ser fixado um valor médio anual para o bilhete, ajustado à sazonalidade, para que o passageiro seja responsabilizado. Mas esta medida foi aprovada por unanimidade na Assembleia Regional da Madeira. Depois, já na Assembleia da República, foi aprovada por unanimidade na Comissão de Economia. E também foi votada por unanimidade em plenário em Setembro de 2019. Mas nada disso tinha efeito porque se tratava de uma lei que precisava, além de regulamentação, de dotação orçamental. E o Governo não colocou isto no OE para 2020. Mas os deputados do PSD Madeira trouxeram esta questão para discussão na votação final global do OE 2020. Numa primeira votação, todos votaram a favor, menos o PS e o IL – Iniciativa Liberal. Depois, houve um pedido de correcção de voto, em que o PS passou a votar a favor desta medida, tendo o IL mantido a sua posição contra. Agora, estamos à espera para verificar se vai haver dotação orçamental para esta medida no OE 2020. E terá de haver uma portaria específica para esta lei.
Mas além de fechar as rotas para o Funchal, o que vai fazer a easyJet se esta medida avançar?
Se esta medida for por diante, a easyJet deixa de voar voos domésticos para a Madeira, ou seja entre Lisboa e o Funchal. A Transavia, que faz a rota Porto-Funchal, também já disse que não tem condições para continuar a voar para a Madeira. A TAP disse que se opunha a esta medida na Comissão de Economia, por uma questão de princípio e de tesouraria, mas claro que se passar a voar sozinha para a Madeira passa a beneficiar de um regime de monopólio. Com esta medida, a easyJet está a ser expulsa das rotas domésticas para a Madeira. Além disso, esta medida pode vir a obrigar ao cancelamento de outras rotas que a easyJet tem para Madeira: de Basileia (Suíça), Berlim (Alemanha), Bristol, Londres e Manchester (Inglaterra).
Também essas rotas estão em risco? Porquê?
O aeroporto da Madeira é um dos aeroportos mais difíceis de operar em toda a Europa. A easyJet opera seis ou sete rotas para a Madeira. Todos os anos, a easyJet tem um custo de irregularidade de operação no aeroporto da Madeira, devido aos ventos, superior a um milhão de libras por ano [cerca de 1,2 milhões de euros ao câmbio atual]. Isto é um custo direto, sem contabilizar as indemnizações que temos de pagar aos passageiros por atrasos nos voos. Neste momento, a easyJet transporta cerca de 600 mil passageiros por ano, de e para a Madeira. Cerca de 60% desses passageiros são resultantes dos voos domésticos, enquanto os restantes 40% são originários dos voos internacionais. Se nós deixarmos de ter os passageiros domésticos de e para a Madeira para diluir os custos de irregularidade, é muito provável que venhamos a encerrar mais rotas para a Madeira. Neste momento, a easyJet é a segunda maior operadora na Madeira. E isto irá ter um impacto negativo grave na economia e no turismo da Madeira, talvez superior ao impacto das falências de companhias como a Monarch ou a Air Berlin, por exemplo.
Mas a reacão da easyJet vai limitar-se a cancelar rotas para o Funchal?
Esta decisão é completamente irracional, anormal e de uma irresponsabilidade total. Vamos falar com todos os partidos políticos. Vamos pedir uma audiência de urgência ao Presidente da República. Já pedimos uma audiência de urgência ao ministro da tutela, Pedro Nuno Santos, ministro das Infraestruturas, mas ainda não obtivemos uma resposta satisfatória por nos ter sido dito que não há disponibilidade de agenda.
Qual vai ser o impacto de fechar todas essas rotas para a Madeira?
Não sabemos ao certo o que pode ser o impacto de encerrar todas as rotas para a Madeira. Mas, internacionalmente, é considerado o valor de receitas para o destino de cerca de 80 euros por passageiro. Como estamos a falar de cerca de 600 mil passageiros anuais transportados de e para a Madeira pela easyJet, temos de contabilizar cerca de 300 mil passageiros, o que daria um impacto de cerca de 24 milhões de euros. Isso é o mínimo, porque estamos a partir do princípio que cada passageiro só tem uma estada de uma noite. E isso é o impacto nas receitas, mas depois tem de se contabilizar o efeito no desemprego, no fecho de empresas, hotéis, ’rent-a-car’, restaurantes, ‘handlers’, etc. E esses são os efeitos diretos. Depois, há os indiretos.
Assim, não vê um futuro risonho para a easyJet na Madeira…
Nós não queremos sair da Madeira ao fim de 12 anos de operação. A easyJet está em Portugal há 20 anos. E queremos continuar. Agora, se formos expulsos de uma rota liberalizada por nos quererem impor condições de uma rota de serviço público… É injustificável esta tomada de posição face ao cenário eleitoral da Madeira. O problema é que até agora ninguém teve a coragem de dar o primeiro passo isolado de recuo. A solução é tomarem uma posição de conjunto e recuar. Este é um tema que envolve custos altíssimos, que têm vindo a aumentar de forma exponencial. E nós podemos assegurar que, em 2019, 97% dos passageiros residentes na Madeira que voaram na easyJet o fizeram por um valor igual ou ainda mais barato que o que pagavam em 2007, antes da liberalização, os tais 220 euros, mais os 118 euros. Esta decisão põe em causa o destino turístico da Madeira e o investimento de 12 anos que a easyJet fez nesta rota.
Qual foi o investimento efetuado pela easyJet na rota para o Funchal?
Não divulgamos dados específicos sobre o valor investido pela easyJet nesta rota, mas qual vai ser o outro operador no futuro que vai arriscar abrir uma rota para o Funchal? O ’site’ da easyJet é um dos maiores pontos de venda de turismo a nível mundial. A visibilidade que damos à Madeira enquanto destino turístico é única.
Se consideram que a medida é prejudicial para a easyJet e para o investimento efetuado, ponderam recorrer para instâncias jurídicas?
Vamos até às últimas consequências jurídicas. Vamos apresentar uma queixa contra o Estado português na Comissão Europeia. Ainda estamos a ponderar se o Governo Regional da Madeira também poderá ser abrangido por esta queixa, porque está envolvido na génese do problema. É algo que teremos de avaliar com a nossa área jurídica. Vamos defender os direitos dos nossos passageiros até às últimas consequências.
E o fecho destas rotas da easyJet para a Madeira poderá levar a administração da easyJet a a apostar nos outros destinos para Portugal?
No que respeita a essas consequências, não lhe sei dizer quanto é que isto poderá ter nos destinos da easyJet como Lisboa ou o Porto. Mas posso dizer-lhe que todas as rotas que forem canceladas para a Madeira serão substituídas por outras. Vamos substituir estas operações por outros destinos para Portugal. É esse o nosso ‘plano B’ neste momento: olhar para outras alternativas, como aconteceu quando deixámos de voar para os Açores, para termos aviões em utilização máxima. Esperamos não chegar a esse estado. Esperamos que os políticos dêem um passo atrás e travem esta espiral de autodestruição. Este é uma solução péssima para a economia e para o turismo da Madeira.
Mas em toda essa questão ouve-se sempre críticas dos residentes madeirenses sobre os preços altos. A easyJet revê-se nessas críticas?
Sobre a questão dos preços altos, posso assegurar que a easyJet disponibiliza tarifas nesta rota, em média 40% abaixo do que é praticado no mercado. Não faz sentido tentar implementar uma solução que afasta da rota a única companhia que faz concorrência e que é a fonte do problema.
Está a falar da TAP?
Não quero comentar.