Ó servos de Deus bem sabeis que dura lex, sed lex. A lei é dura, mas é a lei, assim diz a máxima latina. Porém, sabemos que muitas vezes esta máxima é mesmo uma grande treta porque a lei só é dura para alguns e branda, demasiado branda, para outros. José Manuel Coelho, esse mestre da filosofia do século XXI e teorizador dos paradoxos da Justiça e da Lei, provavelmente ajudar-nos-ia a discorrer melhor sobre estas coisas da lei.
Meus queridos irmãos na caridade de Deus, deixai que vos diga que também os atores da lei discorrem muitas vezes e quantas vezes escorrem demasiadas vezes por entre a letra da lei e o espírito da lei decisões assim-assim, sentenças mais ou menos, mais para menos para uns e menos para mais para outros. Assim tipo CR7 a estrear-se pela Juventus, sete ou oito minutos em jogo e… golo, escorrendo todo o êxtase que daí advém nestes tempos conturbados para os filhos de Deus Pai Nosso e em que os homens andam em desvarios pecaminosos pelos desvios que o Demo os atrai.
Ó gente da tribo do Divino Criador do Mundo dirijo-me a vós neste sermão de quase imprecação porque respingam-nos ainda os ecos da notícia do Expresso do fim de semana passado, amplificada pelas redes sociais e outras súcias que por aí abundam. Descobre-se que a máxima latina de dura lex, sed lex quase se transforma em duro sex, sed sex. Duro é o sexo quando tens sede de sexo.
Também sabemos, irmãos nos excelsos preceitos da fé cristã, que também a lei é sombria. Tem caminhos e destinos que às vezes não lembra nem ao Demo. Vade retro Satanás. Nos caminhos sombrios da lei há curvas e contracurvas onde os cidadãos se perdem e atalhos ínvios onde se despistam na busca da justiça plena, outras vezes tem demasiadas retas infindáveis sem que se alcance a decisão justa.
E então, povo escolhido de Nosso Senhor Todo Poderoso, quando se junta Lei e Sexo lá fica tudo mais duro, quase sempre numa certa penumbra, quase obscuridade, passeando entre as sombras.
E Deus Nosso Senhor o Altíssimo sabe muito bem que a Lei tem muitas sombras, dizem uns que são 50. Elencadas uma a uma, com o respetivo número, sem aparente ordem de importância, apenas numeradas. Sombras apenas. As 50 Sombras da Lei. E tomando a Lei por Justiça sabemos as sombras que o Demo chifrudo pai de todos os pecados terrenos tem espalhado por esta nossa querida terra no Atlântico semeada por Deus e germinada pelo povo escolhido por Ele.
A sombra número tal da lei que tanto condena gente decente como salva corruptos, tudo dependendo do dinheiro!
A sombra número xis da lei que teima em não derrubar paredes que escondem o ouro de offshores trans, isto é offshores que nascem no corpo errado tipo Centro Internacional de Negócios!
A sombra número ípsilon da lei que não desfaz os novelos da pouca ou nenhuma transparência dos concursos públicos, adjudicações e similares!
A sombra número zê da lei que permite a alteração de planos diretores e de pormenor para que patos bravos ergam seus mastodônticos monumentos, sejam casarões em ruas esconsas, hotéis ancorados no centro da cidade, ou casas nas dunas protegidas!
A sombra número tal e qual da lei que persegue o contribuinte pobre e perdoa o contribuinte graúdo!
A sombra número tal e tal e tal da lei que não consegue cobrar dívidas de impostos e segurança social aos senhores fulanos de tal e permite que um dia os mesmos se tornem insolventes e todos nos afoguemos com as dívidas deles!
A sombra número qualquer coisa da lei mais a sombra número tanta coisa da lei, e por aí fora até às 50. As 50 Sombras da Lei.
Dura lex, sed sex. Que é mais ou menos a Lei é dura, mas está fornicada. E se a Justiça e as suas leis fossem autónomas, imparciais, corretas, justas, não precisariam de levar ao colo ninguém. Lei, justiça e colo, sempre andaram de mão dada, isto é ao colo uns dos outros.
Posto isto, ó homens que cada vez mais já não temeis a Deus, porque brandis então as 50 Sombras da Lei, indignando-se agora contra alguém que tenha querido dar colo a outrem? O colo, essa ação virtuosa que Deus inventou para dar carinho, proteção até. Colinho, ali bem juntinho ao peito, agarrado à teta da Lei para mamar na Justiça que, como dissemos está fornicada. Dura lex, sed sex.
Quantos de vós, povo cada vez mais ímpio e gentio desta terra, carentes de posição social, carentes de cargo no governo, carentes de aprovação de um lotezinho, carentes de um perdão tributário, quantos de vós, perguntava este vosso pregador, não se quiseram sentar no colo da Justiça?
Quantos de vós, espécimes últimos de um povo superior abençoado por Deus, não quis fazer uma massagem à Justiça? Dizem aqueles que já desceram ao âmago mais profundo dos caminhos pecaminosos que há massagens com final feliz na Lei e na Justiça. Dura lex, sed sex, sed lex, lex sex, ou seja sexo na lei, lei fornicada.
São insondáveis os desígnios do Senhor Criador do Universo e das Ilhas Abençoadas do Povo Superior, mas duma coisa podereis estar certos ó servos de Deus, sem colinho será inalcançável o púlpito da governação, o cargo ideal, a transformação da incompetência em talento, da ascensão dos inúteis ao éden do poder renovado.
E a coberto das sombras da lei, adormecida a Justiça na languidez de um bom colinho, quantos, mas quantos dos filhos desse Deus maior que teima em conferir prebendas aos seus apaniguados continuarão a montar o cavalo do poder em toda a sua plenitude. Da ponta da cabeça à ponta do rabo de cavalo.
A restituição do respeito é muito mais difícil do que a do dinheiro.
António Vieira, Padre.