Cumprimos! Cumpriram? Cumpriram o quê?


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Enviado por Denúncia Anónima
Domingo, 23 de Setembro de 2018 15:11
Texto e título do autor. Ilustrações CM.

A política deveria ser definida como a arte da representação. A arte de manipular tudo o que for preciso para que o manipulador caia nas graças do povo. Este é um tema interessante que poderia ser discutido mas que não é o objecto desta publicação. Comecemos com a questão da continuidade territorial. Um país existe porque este possui território que considera seu. Se esse território é seu, supostamente o soberano desse país deverá poder aceder ao mesmo quando bem entender. Não teria lógica um país possuir um território sem poder aceder a este, seja de que forma for. Assim podemos concluir que para haver soberania de um país sobre um determinado território é preciso haver continuidade territorial com o mesmo. A forma como essa continuidade é feita (via terrestre, marítima ou aérea) é outra questão. Nas ilhas há basicamente e apenas duas formas de haver continuidade territorial: por ar e por mar. Na Madeira e Porto Santo (doravante Madeira, com o Porto Santo a ser um território muitas vezes esquecido em questões políticas), temos ligação ao longo de todo o ano com o território continental apenas por via aérea. Quando há interrupção do serviço aéreo, a Madeira fica literalmente isolada. Ou seja, fica sem continuidade territorial. Poderíamos então no limite considerar que a Madeira, durante esses períodos de inactividade dos aeroportos, deixaria de pertencer a Portugal? Por uma lógica mecânica, talvez sim. No entanto a questão é muito mais complexa que apenas isso. Quer tudo isto dizer que de facto a obrigação de assegurar a continuidade territorial com todos os territórios nacionais recai obviamente no governo central. Mas será que a responsabilidade inerente recairá exclusivamente a este?

Há quem afirme que o PSD-M cumpriu a promessa eleitoral apresentada em 2015 relativa à reativação da ligação marítima entre a Madeira e o território continental. Felizmente há décadas que existe tecnologia de gravação de áudio e vídeo que permite registar determinados momentos para consulta futura. De forma a que eu não tenha de confiar apenas na minha memória, consultei o vídeo onde essa promessa eleitoral é declarada. Após algumas visualizações para minimizar possíveis erros derivados de distração, concluí que em momento algum ouvi ser referido que essa ligação seria realizada apenas durante o Verão de cada ano. Neste momento e durante os próximos 9 meses, o povo residente na Madeira, no território continental, e mesmo os emigrantes que vivem nas mais diversas paragens pela Europa fora não têm um ferry disponível para ligar a Madeira ao território continental - Europa. É a isto que chamam cumprir uma promessa eleitoral? Se assim é, então fazer política é fácil! Querem ver que durante a próxima campanha eleitoral vai aparecer alguém a prometer aumentar o salário mínimo regional para uns 3000€? Pela mesma linha de atuação, o eleito quando estiver no poder pode procrastinar sobre essa questão por uns 3 anos, para finalmente então "cumprir" a promessa...mas só por um mês. No mês seguinte volta tudo ao que era antes. Um pagamento de 3000€ fica feito, a promessa fica cumprida, e o povo fica satisfeito. Fácil, não?

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Eu estive presente na mobilização que ocorreu quando o Vólcan de Tijarafe fez a última passagem prevista pela Madeira em 2018. Ao contrário do que foi recentemente referido, felizmente esta não foi a última viagem do ARMAS. O Armas é um armador sério que não se limita a operar apenas um ferry, como alguns armadores por aí fazem. O Armas tem a seu cargo diversos navios ferry que opera regularmente entre diversas regiões e sem interrupções ao longo do ano. A atividade do Armas pode ter cessado na Madeira por este ano, mas os seus ferry's continuam a gerar continuidade territorial por outras paragens onde esta questão não é tão ativamente complexada como é por cá. Não sei porquê chamaram os presentes de agitadores profissionais de esquerda, uma vez que no encontro estavam presentes cidadãos de todos os quadrantes políticos. Um exemplo é dado pelo grupo Cruise Ferry - Madeira, que é neutro em termos políticos precisamente por essa razão. Este é um grupo que pretende exigir e promover uma ligação semanalmente e ininterrupta com o território nacional continental. Esta exigência - que tem como base o direito que está consagrado na Constituição - toca a todos os cidadãos, independentemente do partido que mais simpatizam.

De facto não me apercebi de ninguém a jogar as culpas pelo fim da ligação marítima para Lisboa, como alguns gostam de fazer. Apercebi-me pelo contrário de gente a referir que no passado a Madeira teve uma ligação semanal e contínua ao longo de todo o ano, realizada pela Naviera Armas a custo zero para os contribuintes da Madeira. Apercebi-me de gente a referir que essa operação era financiada pelo governo espanhol, onde até o combustível do navio tinha um custo reduzido graças ao mesmo financiamento, o que tornava a operação do ferry na Madeira algo de até bastante sustentável. Apercebi-me de gente a referir que o governo regional de então teve de mão-beijada uma via de transporte que punha termo ao isolamento da Madeira por via marítima de forma totalmente gratuita, e que o mesmo jogou - literalmente - no lixo. Apercebi-me de gente a referir que o governo regional atual quis reativar a referida ligação, montando o negócio de forma a financiar com milhões do erário público regional uma empresa intermediária para executar essa ligação por apenas 3 meses/ano. Apercebi-me de gente a referir que o governo regional quer jogar o custo da operação ao longo de todo o ano para o governo central, quando no passado teve tudo a custo zero para o erário público. Apercebi-me de gente a referir que o governo regional quer agora onerar com milhões não só o povo da Madeira como também o do território continental, para tentar consertar um erro cometido pelo anterior governo regional. De facto não me apercebi de gente a culpar o governo nacional pelo atual estado desta ligação na Madeira. Porque será que a população não o faz?

Perante tudo isto ainda há quem questione o porquê do governo central não compactuar com o financiamento, nos termos atuais, desta ligação marítima? Vendo por esta perspectiva, parece que a Autonomia da Madeira tem servido para prejudicar o povo da Madeira, e não satisfeita com isso, agora também quer prejudicar o povo do território continental. É sempre fácil jogar as culpas e responsabilidades pelos seus erros para cima de terceiros. Difícil é assumir os erros de cabeça erguida e remediá-los de forma séria. Muitas vezes o orgulho não permite, e é isso que muitas vezes levam as pessoas para uma ruína real.