Azar na praia



Opinião: Flávio Sousa
Domingo 2 de Setembro de 2018 2:22
Texto e imagem pelo autor.

O acesso da população madeirense ao mar é um assunto na ordem do dia. No Porto Santo, a recente concessão de seis praias a privados suscitou a indignação de toda a gente e críticas violentas à Capitania. Mas ainda mais grave é a anunciada destruição da Praia do Portinho em Santa Cruz, para a construção do Altis Palm Bay Hotel.

O novo empreendimento do grupo Altis é um péssimo negócio para região e deve ser rejeitado por todos. As razões são evidentes: impacto ambiental negativo, consequências gravosas para a economia local e a manifesta ilegalidade do projeto.

A respeito do impacto ambiental, o Presidente da Câmara Filipe Sousa afirmou que o hotel valoriza a praia e devolve aos banhistas uma parcela de litoral inacessível. Uma mentira desastrada, porque a zona está acessível a qualquer pessoa com um par de pernas e a ampla praia que pode hoje ser fruída por todos dará lugar a uma nesga de promenade.

O ordenamento do território e a preservação do litoral foram razões invocadas pelo Professor Raimundo Quintal no seu excelente texto 'Hotel no Portinho dos Reis Magos: vamos ficar calados?' (in Fénix do Atlântico, 25.06.2018). Depois de falar numa manobra de propaganda do promotor e da Câmara Municipal, o eminente geógrafo apela a um amplo debate público.

Quanto aos supostos benefícios para a economia, em especial a criação de emprego, são um pretexto já gasto. Filipe Sousa acena com 80 novos postos de trabalho, mas nada diz sobre a qualidade dos mesmos: contratos temporários, condições miseráveis, horários longos e desregulados são queixas frequentes dos trabalhadores destes empreendimentos tudo incluído, nos quais os turistas são convidados a deixar as carteiras em casa e pouco ou nada contribuem para os negócios locais.

O caso do Portinho deixa à vista a necessidade de um plano de ordenamento da orla costeira, que já tarda, mas há outros instrumentos jurídicos que podem ser utilizados para travar este crime: a Lei nº 54/2005 estabelece a titularidade dos recursos hídricos e subtrai as praias ao comércio privado; a Lei da Água impõe diversas restrições na utilização destes espaços; e a Lei das Bases da Política de Ambiente consagra vários direitos processuais nesta matéria.