Sermão dos erros de castigo

“Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder de um de três princípios: ou da parte do pregador, ou da parte do ouvinte, ou da parte de Deus.”

Não podem as palavras do Pregador deste nosso reino, pequeno reino, reinozinho, passar desapercebidas ainda que o tempo em que foram ditas já lá vai. Porque o que ele disse é deveras importante para cair no olvido e Deus Nosso Senhor não gosta nem quer que tal suceda. E porque a nossa missão de pregação é também a de rebater as palavras lançadas ao vento sem tino nem acerto.

Se fizermos “pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder da parte do Pregador”, e este Pregador que nos governa neste nosso reino, pequeno reino, reinozinho, tem dotes para fazer pouco fruto a palavra de Deus e até a palavra dele Pregador-mor, tanto é o léxico desajeitado e eivado de barbaridade com que se dirige urbi et orbi.


Só pode ser “pouco fruto” falar de “erros de casting” quando por mor da sua suma sabedoria diz que o seu partido, esse quase pequeno partido, quase partidozinho, deu de bandeja à oposição as alcaidarias que perdeu. Erros de figuração quer o Pregador dizer quando usa o barbarismo “casting”! “erros de casting”? Quer então o Pregador dizer que os figurantes foram mal escolhidos para o papel a que concorreram? Quer então o Pregador dizer que a derrota seria certa? Como o foi por graça não de Deus mas dos homens que não votaram nos figurões dominantes. E porque não diz o pregador que para a derrota contribuiu também o apoio subterrâneo dos apaniguados sob sua orientação por mor de quererem ver uma derrota em toda a linha do seu então líder cujo trono desejava envolvendo-se para isso nos caminhos pecaminosos da destruição interna da sua agremiação!

“Fazer pouco o fruto a palavra de deus no Mundo pode proceder (…) da parte do ouvinte”, diz o sermão ouvido nas calendas de antanho. Ora o ouvinte, que sois todos vós a quem me dirijo neste auditório islenho, não é asinino e por isso questiona: como “erros de casting”? Para discordar do Pregador deste nosso reino, pequeno reino, reinozinho, não é preciso recorrer aos exemplos nos belíssimos textos dos quatro sagrados evangelistas, quais redatores de há mais de dois mil anos contando tudo o que se passava entre os povos de Deus.

Vossa Alteza governou tanto ano o condado da capital deste reino, pequeno reino, reinozinho, e numa parte de tempo dessa governação teve como braço direito o morgado primogénito de quem Vossa Real Senhoria substituiu na alcaidaria. A cartilha desse morgado aprendeu-a com Vossa Senhoria. E que cartilha a dele meu bom povo de Deus que aqui vieste para me ouvir sermonar! Por isso deixa-nos baralhados que agora considere a escolha um “erro de casting” aquele que foi seu braço direito e que perdeu estrondosamente, com a sua ajuda e a dos seus apaniguados bem sabemos, para um ajuntamento de corsários, sarracenos, estrangeirados e outros bárbaros. Se foi “erro de casting” como Vossa Senhoria quer dizer e se o figurante não prestava para ganhar porque artes demoníacas foi Vossa Alteza Real buscá-lo para o seu governo como “Diretor do Reino para as Coisas da Europa” e agora com residência uma vez por mês na capital da Europa ganhando mais uns trocos por isso?

Marconi Gaudenzio (1841-1885) Nudo Accademico


Em Santa Cruz, sagrado nome do sagrado lenho em que Nosso Senhor Jesus Cristo foi cruxificado, foi escolhido um homem que era já da governança do município e fiel escudeiro do alcaide. Homem de confiança, portanto. Diz a voz do povo, que é voz de Deus e sendo voz de Deus é voz verdadeira que Vossa Senhoria e seus reais apaniguados desejavam que a derrota do seu partido em terras de Santa Cruz contribuísse para a derrota do Pregador-chefe cujo trono Vossa Senhoria desejava ocupar e porque se não fosse esta a sua intenção Vossa Digníssima Senhoria avisaria o chefe. Certo?

E em terras de Machim do Santo Senhor dos Milagres, de Santa Ana e no Porto do Moniz onde se recandidatavam aqueles que tinham governado essas alcaidarias e cujos governantes Vossa Senhoria conviveu quando governava a capital do reino, pequeno reino, reinozinho, pactuou e arregimentou política comum e consigo faziam maioria na liga das cidades deste reino, pequeno reino, reinozinho, e que V. Alteza Real quer agora reconquistar?

Em terras do mártir São Vicente a história é outra. A oposição não ganhou pelo “erro de casting” mas pela colaboração que Vossa Senhoria e seus apaniguados deram aquele que ganhou e que agora em lugar de trazer essa ovelha expulsa do redil pelo anterior chefe de Vossa Realeza decidiu dar apoio deixando o seu partido órfão naquela região. E no Santo Porto da outra ilha nem vale a pena falar tanta foi a sua missão e a de seus apaniguados em derrotarem os próprios correligionários. 

Ora, e isto é ponto assente jurado nas sagradas escrituras, não foi por “erro de casting” mas por vontade do ouvinte que quis mudar e para mudar há que acreditar na palavra daqueles que querem o lugar dos pregadores que se julgam eternos e foi o que fizeram por mor da Graça do Senhor e a vontade dos homens na terra e acreditaram nos movimentos e nos partidos que prometeram um mundo novo, um mundo diferente daquele a que Vossa Senhoria pertenceu e com o qual pactuou e ajudou a construir e a cimentar durante decénios.

Deus Nosso senhor toma para si a palavra dos homens e a palavra dos homens para estas cousas é hipocrisia. São hipócritas as palavras do Pregador deste reino, pequeno reino, reinozinho.

Diz o povo em suas sábias palavras que homem de ideias em constante transmutação é homem de muitas falas inverdadeiras e homem de muitas falas inverdadeiras é homem de muitas caras e homem de muitas caras é homem de muitas mulheres e homem de muitas mulheres é homem de muitos pecados e homem de muitos pecados não acerta nunca com a governança e o santo povo de Deus não acredita nele e acha que esse homem é ele próprio um “erro de casting”.

“Fazer pouco fruto a palavra de Deus no Mundo, pode proceder da parte de Deus”. Ora o que há-de chamar o Pregador do reino, pequeno reino, reinozinho, quando as coisas correm mal? Porque para ele, que é o maior desses males, nunca serão erros mas acidentes do percurso da governança.

Aquele médico que fora insigne figura renovada e plenipotenciário da saúde substituído por outro médico e insigne figura renovada no mesmo cargo e encargo e que fora substituído por outro médico e insigne figura mas que não integrara os esconjurados da Renovação e da Reinação e que se renovou agora ao tomar conta dos apertos da governança da Saúde do povo deste reino, pequeno reino, reinozinho! Nesta troca e baldroca não houve “erros de casting”? E que dizemos de outras nomes grados porque também houve “erros de casting” do Pregador-mor em certos diretores regionais e presidentes de conselhos de administração que foram substituídos. Lembremo-nos, santo auditório, da diretora bonitinha que nada sabia das coisas da cultura e cujo currículo era o de ser espécie protegida, seja de comendadores e de vereadores transmutados em executivos de pequenos mestres de obra alcandorados com grande AFÃ em grandes construtores do regime e protegida de presidentes. Foi a bonitinha substituída por uma não bonitinha e escuteirinha muito dada às coisas místicas. E que dizemos da chusma de assessores e conselheiros de qualquer coisa e outras coisas mais que foram sendo admitidos como técnicos especialistas e demitidos e substituídos ou não com uma regularidade regular. “Erros de casting”?

E é por isso que a governança vai mal e os governantes irritados e o povo descontente obrigando o pregador e o seu exército de apaniguados a cometerem tantas aleivosias que num armagedão outonal serão derrotados.

E é assim que dos ditos erros que o Pregador deste reino, pequeno reino, reinozinho, quer que sejam “erros de casting” estes venham a ser erros de castigo que Deus Nosso Senhor e o seu amado povo não hão-de perdoar aquele que se transforma no “super sete”, aquele que em si mesmo concentra os sete pecados fatais. O Pregador deste reino, pequeno reino, reinozinho é guloso porque come tudo e não deixa nada para os outros, é avaro porque apegado em excesso e descontrolado pelos bens materiais e pelo dinheiro, é luxurioso porque apegado a certos prazeres lascivos, é irado porque é intenso e descontrolado o seu sentimento de raiva e ódio e rancor que gera vingança, é invejoso porque ignora suas próprias bênçãos e prioriza o status de outra pessoa no lugar do próprio crescimento espiritual e deseja exageradamente o que outros têm e conseguem, é preguiçoso porque vive em estado de falta de capricho e de esmero e de empenho na resolução dos assuntos da governança para o povo e sofre de soberba porque é orgulhoso em excesso e arrogante e vaidoso.
William-Adolphe Bouguereau 1825-1905: The Birth of Venus (1879)

Ditar palavreado ao vento falando de “erros de casting” quando ele próprio fez e faz “erros de casting” e julgam os homens de boa sapiência deste nosso reino, pequeno reino, reinozinho, que é ele o próprio Pregador-mor um “erro de casting”, um erro de figuração, um figurante ou figurão fora de lugar e é por isso que num tempo que Deus Nosso Senhor o Altíssimo há-de mandar para a terra de que quem não é de cena sairá de cena.

Pois que fique avisado o Pregador que denunciar “erros de casting” é semeadura perigosa que leva à colheita de erros de castigo. O povo já de há muito que sabe ler e escrever e como vemos, ouvimos e lemos também castigamos e castigaremos.

“Para uma alma se converter por meio de um sermão, há-de haver três concursos: há-de concorrer o pregador com a doutrina, persuadindo; há-de concorrer o ouvinte com o entendimento, percebendo; há-de concorrer Deus com a graça, alumiando”.

Disse o Pregador deste reino, pequeno reino, reinozinho, que a “oposição de esquerda, por um erro de casting, tomou o poder”. Não, não tomou o poder que não houve golpe de estado, foi o povo de Deus em sua imensa sapiência que escolheu os novos pregadores.

Ora o Pregador deste reino, pequeno reino, reinozinho, achando-se o palavroso maior, às vezes atordoado pelas gotas largadas do hissope ou dos fumos soltados do turíbulo não consegue persuadir. Ora o ouvinte com seu entendimento percebe que isto dos “erros de casting” é faladura de fraco Pregador. Ora Deus com a sua imensa graça alumiará o povo não o deixando enganar-se.

“Os pregadores deitam a culpa aos ouvintes, mas não é assim. Se fora por parte dos ouvintes, não fizera a palavra de Deus muito grande fruto, mas não fazer nenhum fruto e nenhum efeito, não é por parte dos ouvintes. Provo.” Outubro é mês de profecias terríficas e de erros de castigo. Deo Gratias. 

Palavras sem obra são tiros sem bala; atroam, mas não ferem. A funda de David derrubou o gigante, mas não derrubou com o estalo, senão com a pedra”.