A bronca do MIUT

Olívia Sousa 

O MIUT foi um sucesso. Dos mass media aos atletas, do público às entidades governamentais e outros quejandos, públicos e privados, todos foram unânimes em afirmar este evento de trail run como perfeito. Da excelência da organização, seja nos meios humanos e técnicos, seja no desenho da prova, à espetacularidade dos percursos, foram imensos os encómios ao MIUT 2018.


Porém, há sempre um porém, um aspeto marginal abalou, e vai continuar a abalar, esta unanimidade. E foi através desse super mass media chamado Facebook, onde as verdades se tornam transparentes e os erros se tornam superlativos, que tomámos conhecimento dos “poréms” que abalaram, e estão a abalar, o sucesso do MIUT 2018. A organização decidiu retirar o triunfo às atletas que brilhantemente haviam conquistado o título de melhores madeirenses. Apenas porque não terão nascido na Madeira.

Ter nascido no estrangeiro, por força de uns pais que um dia decidiram procurar uma vida melhor no estrangeiro já que a Madeira Velha e a Madeira Nova não lhes garantiam sustento minimamente decente, é afinal um estigma em termos desportivos. Tendo a nacionalidade portuguesa, são portuguesas, tendo nascido na Austrália, no caso concreto, e apesar de viverem mais de 90 por cento da sua vida na Madeira, não são, afinal, madeirenses. A expressão tão cara ao caríssimo Presidente do caro Governo Regional, por exemplo, de que “há que ter atenção e apoiar os nossos irmãos madeirenses da Venezuela que estão a procurar uma vida de tranquilidade e sustento na Madeira”, não passa de uma balela, já que a esmagadora maioria, à luz de regulamentos tipo MIUT, não são madeirenses por aqui não terem nascido.

Olívia Sousa e Jessie Serrão são duas valorosas atletas madeirenses de que a comunidade do trail runing se orgulha e que tiveram o azar de ter nascido na Austrália e que toda a vida julgaram ser madeirenses descobriram que não o são porque não são nascidas na Madeira.

Segundo consta terá havido uma atleta, madeirense de gema, nascida na Madeira, que decidiu interpretar de forma autêntica o regulamento do MIUT e por isso protestou. Um atleta madeirense da Madeira, madeirense de primeira, com pedigree por via da naturalidade, que decidiu levar à letra o acrónimo MIUT. Maneira Incompetente de Usurpar um Troféu. A exemplar e muito elogiosa organização do MIUT apressou-se a dar razão à atleta protestante, agachando-se à força do fraseado do regulamento e não invocando o espírito da modalidade retirou-lhes os títulos.

Se na análise ao regulamento da prova podemos verificar que nos pontos 4. (Categorias e Prémios) e 4.1. (Definição da data, local e hora da entrega dos prémios), quanto às Classificações e Prémios estipula que “Para os participantes nascidos na Madeira, haverá prémios para os três melhores classificados masculino e feminino nas provas MIUT e ULTRA e melhor masculino e feminino nas provas MARATHON e MINI”, concluímos que, de acordo com as tabelas publicadas no regulamento, um dos títulos a atribuir em cada prova é afinal a de Melhor Atleta Regional, com toda a interpretação que daí possa advir em relação ao conceito de regional.
MIUT
Masculinos
Femininos
Geral
Troféus aos 10 primeiros
Troféus às 10 primeiras
Todos os escalões
Medalhas aos 3 primeiros
Medalhas às 3 primeiras
Melhor atleta regional
Medalhas aos 3 primeiros
Medalhas às 3 primeiras
Coletiva
Troféu às 3 primeiras equipas
Troféu às 3 primeiras equipas












Mas afinal trata-se de atletas regionais ou atletas nascidos na Madeira? O que é uma coisa e o que é a outra? Ambas são a mesma coisa?

Havendo dúvidas, reclamações e/ou protestos sobre este, como qualquer outro aspeto da prova, a organização, isto é o júri, só tem que recorrer ao ponto 8 do regulamento (Informações), especialmente ao parágrafo que fecha o regulamento da tal organização exemplar do MIUT 2018 que estatui que “O Júri decidirá sobre todos os assuntos relacionados com o evento e que não foram objeto de regulamentação ou sobre más interpretações do presente regulamento.

Sem dúvida que se trata de uma má interpretação do regulamento em que o espírito do regulamento foi traído pela letra do regulamento, ou seja, aquilo que a organização queria premiar eram os atletas regionais madeirenses e não os atletas nascidos na Madeira.

Jessie Serrão
Olívia e Jessie não calaram a revolta que lhes vai na alma depois de tanto e insano esforço (115 e 85 quilómetros respetivamente) e nas suas páginas do Facebook disseram o que lhes vai na alma. Centenas de pessoas têm vindo a ampliar esta revolta através de comentários.

E lá se foi o prestígio do MIUT por causa de uns peanuts. Certamente que estas atletas e as centenas de atletas que se solidarizaram com elas farão o favor de transmitir aos atletas estrangeiros como os atletas madeirenses são tratados. Porque o que o MIUT queria premiar era, sem dúvida, os atletas madeirenses e não os atletas nascidos na Madeira. E certamente os media regionais, que engalanaram o seu miolo com suplementos publicitários do MIUT e artigos a tecer loas à excelência da organização, não calarão também a revolta perante esta afronta a duas valorosas atletas madeirenses. Esperemos desses media, rádio, televisão e jornais, acima de tudo a verdade a que temos direito.

Nesta Madeira renovada em que o Vice-presidente do Governo regional, que já foi (ou ainda é?) membro de corpos sociais de tanta associação de modalidade e de clubes, se arroga o direto de ser xenófobo e desejar que o Rali Vinho Madeira não tenha pilotos de fora da Madeira nada é de espantar.

A partir de hoje e com esta decisão da tal organização exemplar do MIUT passará a haver jurisprudência nestas questões dos atletas-madeirenses-nascidos-na-Madeira.

Ainda bem que a seleção portuguesa de futebol e a respetiva federação não são dirigidas pela madeirense-nascida-na-Madeira-organização do MIUT caso contrário nunca o jogador da seleção nacional chamado Dani seria madeirense. Ainda bem que a Federação Portuguesa de Atletismo e o Comité Olímpico Português não são dirigidos pela madeirense-nascida-na-Madeira-organização do MIUT caso contrário nunca a olímpica portuguesa Maribel seria madeirense.

A contrario temos esse sempiterno atleta-madeirense-nascido-na-madeira, de 33 anos mas que aqui viveu até aos 12. Será sempre atleta madeirense e não português.

E se calhar até na política regional desta Madeira renovada passará a haver um crivo, doravante designado fator MIUT, para que os membros do Governo madeirense sejam exclusivamente madeirenses nascidos na Madeira. Jardim Ramos, o pasmado ex-secretário dos Assuntos Sociais nunca o teria sido. Rita Andrade a diletante atual SRIAS que se ponha a pau.

Seria de bom-tom que a tal organização excecional do MIUT 2018 viesse a público manifestar-se sobre o assunto. E até a opinião do senhor Presidente do Governo Regional, ele mesmo um apaixonado de corridinhas, embora mais em modo “Run Trela”, deveria vir a terreiro com uma daquelas suas tiradas ácidas a acusar os madeirenses de xenófobos como o fez quando estes se manifestaram contra as benesses que ele, ainda a tirocinar no governo renovado, queria transformar a Madeira num centro de férias para refugiados.

Pergunta: os modelos de concursos para emprego na Função Pública já chegaram ao desporto?Créditos: fotos do Facebook das atletas.