A retrete entupida


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Terça-feira, 5 de Março de 2019 17:10
Texto, título e imagem enviados pelo autor: Flávio Sousa (o nome consta a pedido do autor).

A polémica em redor da medicina nuclear relançou a discussão sobre a promiscuidade entre setor público e setor privado. Esta discussão não se limita à saúde e não é recente. Já há muito que se fala no problema da fuga da Administração Pública para o Direito Privado, por exemplo através da criação de sociedades comerciais, evitando assim a fiscalização pelo Tribunal de Contas e outras garantias do Direito Público. Além da medicina nuclear, um bom exemplo desta fuga é a inspeção automóvel na Madeira.

A inspeção automóvel, entregue pelo governo regional ao António Henriques e depois à sua empresa Madinsp, sofre da chamada esquizofrenia administrativa: nuns casos, é um negócio privado e segue as regras do Direito Comercial; noutros casos, é público e segue as regras do Direito Administrativo, consoante as conveniências dos Henriques. Num caso ou noutro, quem sai sempre a perder é a população madeirense.

O negócio é público no que respeita à liberdade de concorrência. Além do concurso público que favoreceu injustamente o António Henriques e já foi invalidado pelos tribunais, a Direção Regional da Economia e Transportes estabelece condições que impedem o acesso das outras empresas à atividade e protegem o atual monopólio: por exemplo, ao exigir a abertura de concurso público e ao impor um capital social mínimo.

O negócio dos Henriques é privado no que respeita à publicidade e transparência. Se a lei administrativa dispõe que todas as pessoas têm o direito de acesso aos arquivos e registos, já no caso da Madinsp prevalece o segredo e a empresa pouco ou nada revela sobre a sua gestão. Por exemplo, seria interessante conhecer o contrato celebrado em 2011 com o governo regional, mas esse documento nunca foi publicitado no portal dos contratos públicos ou no site da Madinsp.

A regra da publicidade também é violada quando a Madinsp fornece informações dúbias, incompletas ou falsas. O número exagerado de reprovações, seguidas das reinspeções pagas pelos utentes, não tem paralelo no resto do país e nunca foi devidamente explicado. O mesmo se diga do número exato de inspeções: fala-se em 90.000 inspeções por ano, mas serão muitas mais. Basta analisar outras fontes, como a Associação Automóvel de Portugal, para que esses dados sejam desmascarados e a porcaria venha ao de cima, como uma retrete entupida.