Entrevista de AJJ à TSF

Observatório da Comunicação Social
Entrevista a Alberto João Jardim
TSF, 16 de Fevereiro de 2018 00:03
Entrevista conduzida por: Anselmo Crespo
Destaque:
"É por demérito do atual presidente do Governo Regional?

Não sei, penso que sim."
Link da notícia original na TSF

ENTREVISTA TSF

"Chegada de Rui Rio é uma reconciliação até com os próprios portugueses"


Alberto João Jardim pede "juízo" ao PSD em caso de derrota 
de Rio nas legislativas, lembrando que essas eleições são um 
projeto a "médio prazo".













Foi professor e jornalista, ajudou a fundar o PSD e em 1978 assumiu pela primeira vez o cargo de presidente do Governo Regional da Madeira, para não mais o largar durante 37 anos; saiu em 2015 e, agora, é aquilo a que se pode chamar um político na reforma, se é que um verdadeiro político alguma vez se reforma.
Dr. Alberto João Jardim, afinal o seu prognóstico sobre as eleições no PSD nacional falhou, antecipou uma vitória de Pedro Santana Lopes e acusou a máquina do partido de viciar os resultados, afinal quem ganhou foi Rui Rio.
Não, talvez me tivesse explicado mal. Não há dúvida de que a máquina do partido, também a nível nacional, apoiou claramente o Dr. Pedro Santana Lopes.
Porque é que acha que isso aconteceu?
É muito simples: o consulado Passos Coelho resulta de um truque que também fizeram aqui na Madeira, que foi a entrada de muita gente no partido e terem conseguido eleger a direção que interessava aos interesses económico-financeiros do país para se fazer o ajustamento económico e financeiro em termos de obediência às entidades estrangeiras, a União Europeia, o Fundo Monetário Internacional, etc. Isto foi bem montado e demonstra a vulnerabilidade em que se encontram os partidos portugueses e que tem ajudado a levar ao descrédito junto da opinião pública. Hoje, para se tomar um partido político basta haver dinheiro para pagar inscrições, para pagar quotas, e uma maioria eleger uma direção à custa dos interesses que pagaram esses dinheiros para levar à tal eleição. A prova foi o que o país passou e a situação em que esteve o PSD durante o consulado de Passos Coelho. Eu sei o que passei aqui na Madeira, quer quando estava na política ativa quer mesmo fora da política ativa.
Quanto a essa questão, se os resultados estavam sérios, é mais aqui na Madeira porque, embora o líder do partido aqui na Madeira tivesse declarado a neutralidade, assistiu-se a uma coisa absolutamente insólita, era a própria máquina do partido que telefonava para casa das pessoas a pedir para votar no Santana Lopes. Só que a máquina do partido também já está tão desacreditada, na atual conjuntura, que as pessoas fizeram ouvidos de mercador àquilo que a própria máquina partidária queria. Eu gosto de denunciar as coisas a tempo. Se eu dissesse depois das eleições que elas estavam viciadas, iam dizer que era mau perder porque eu, de facto, empenhei-me na campanha Rio. Eu gosto de dizer antes para, independentemente do que suceda, as pessoas ficarem a saber e não dizerem depois que era mau perder ou, tendo ganho, que foi despropositado, para quê falar nisso? Não, as coisas denunciam-se na hora própria.
Pedro Passos Coelho não lhe deixa saudades?
Nenhumas.
Acha que ele peca por decidir sair do partido tarde demais?
Ele peca por ter entrado para a liderança do partido.
Acha que a liderança de Rui Rio é uma rotura com o passado?
Com o passado recente sim, com o passado recente sim. Penso que pode ser uma rotura e é necessário que seja, tanto sob o ponto de vista ideológico, como do ponto de vista estratégico, como sob o ponto de vista de pessoas.
Do ponto de vista ideológico penso que é o voltar ao personalismo social-democrata que presidiu à fundação do partido, e é voltar à descentralização política que foi sempre a arma do PSD e que fez, durante muitos anos, que o PSD fosse um partido do poder local por excelência. Portanto, creio que vamos voltar a uma orientação política com caráter personalista social-democrata, o ultraliberalismo vai ao ar e penso, por outro lado, que o Rui Rio vai entrar no caminho da descentralização. Eu defendo uma forte descentralização para o país, sou federalista e gozo quando vejo lágrimas de crocodilo dizendo: "Ah, coitadinhas das terras do interior, não chega lá nada", "Ah, coitadas das províncias mais afastadas de Lisboa, estão marginalizadas", mas são muitos dos políticos de lá que vêm para Lisboa e para fazer carreira obedecem a Lisboa e não defendem os interesses das suas terras.
Acho que tem de se avançar para uma estrutura federal em Portugal, é a minha maneira de pensar. Então, essas lágrimas de crocodilo saltam logo, muito excitadas, e dizem: "O quê? Federalismo em Portugal? É um país tão pequeno!". Esquecem-se que a Suíça, sendo o país mais desenvolvido da Europa sob o ponto de vista cívico-cultural e sendo o segundo mais rico depois da Noruega - mas a Noruega tem petróleo e a Suíça não -, é muito mais pequena do que Portugal e o grande sucesso da Suíça veio da descentralização política. Esta descentralização não pode ser com estes arremedos de que o Governo da geringonça está para aí a falar; vão ver que a descentralização vai ser dar mais uns poderes aos municípios, mas também sobrecarregando-os com as despesas desses poderes que vão transmitir-lhes. Não há descentralização política em Portugal enquanto não se avançar numa regionalização do país no seu todo.
Rui Rio vai ter a coragem de assumir essa posição?
Ele é um homem pela descentralização, não apenas administrativa, mas política. Agora, eu não posso adivinhar o futuro. Eu desejo-o, agora garantir não garanto, que eu nem por mim ponho as mãos no fogo.
Esta chegada de Rui Rio à liderança do PSD significa, para si, uma espécie de reconciliação com o partido?
Para mim e para muita gente! Para mim e para muita gente. É uma reconciliação sobretudo, como eu dizia a pouco, ideológica, porque o que o partido andou a fazer não tem nada a ver com aquele partido que era essencialmente português, que era o PSD antes de Passos Coelho. Acho que é até uma reconciliação com os próprios portugueses, não é só com os militantes do partido.
Se tivesse de escolher uma prioridade para Rui Rio, qual seria?
A prioridade para mim sempre foi a reforma do sistema constitucional. Como se sabe, é necessário o entendimento com o Partido Socialista. Penso que Rui Rio tem de pôr as coisas muito claras em cima da mesa.
Primeiro, tem de explicar aos portugueses por que é que as reformas são necessárias; fala-se delas, mas não se diz por que são necessárias. Tem de explicar bem por que é que é preciso fazer reformas constitucionais.
Em segundo lugar, encostar o PS à parede e dizer: "Os senhores fazem ou não fazem isto, sendo isto necessário para o povo português?" Se eles disserem que não fazem, então assumem as responsabilidades já nas próximas eleições.
Mas isso não foi o que Passos Coelho fez? Ele defendeu uma revisão da Constituição várias vezes.
Não. Passos Coelho defendia coisas avulso. Defendia leis avulsas. Nunca vi Passos Coelho a falar de revisão da Constituição. É engraçado, Passos Coelho sendo um homem iliberal nos costumes, é um conservador em termos de sistema de regime político. Falar em revisões constitucionais, alargamento de autonomia ou federalismo ou falar de regionalização do país, dava-me a impressão até pelos esgares, pelo histriónico do Passos Coelho, que isso lhe provocava grandes cólicas.
É daqueles que acha que Rui Rio tem a obrigação de ganhar as legislativas de 2019?
Tudo depende.
Não tem essa obrigação?
Não tem essa obrigação. Tem a obrigação de fazer tudo para ganhá-las. O que é diferente. Aí, nem o PS nem o PSD têm obrigação de ganhar. Aí decide o povo português. Tem obrigação, permita-me a correção, de fazer tudo para ganhá-las, que é um pouco diferente.
Há quem no PSD, já tenha colocado essa fasquia.
Isso são uns indivíduos que estão sempre com a esperança de voltar. Eu estava-lhe há pouco a dizer que vão haver mudanças ideológicas e estratégicas mas também vão haver mudanças pessoais. Vamos ser francos. Acho que é preciso voltar a subir a qualidade do Partido Social Democrata. O PSD caiu numa mediocridade mesmo pessoal. É fundamental que haja uma seleção e um subir da qualidade. Isto não quer dizer marginalizar ninguém. É, como diz o povo, "pôr cada macaco no seu galho". Chamar as pessoas de qualidade e atribuir-lhes tarefas e missões. Esses que estão à espera de que as coisas não corram bem e que querem que Rui Rio em ano e meio descubra o caminho marítimo para a Índia, são os que já estão de má-fé, à espera que as coisas corram mal para poderem, novamente, criar perturbação dentro do partido.
Não é exigível que Rui Rio ganhe as eleições. É exigível que ele faça tudo para ganhá-las: apresente bons candidatos, um programa que, não sendo demagógico, mereça a concordância não da população de Lisboa, mas do povo de todo o país. Que todo o país se reveja nesse programa. É também necessário que ele vá desmistificando algumas coisas: a baixa do desemprego que é feita à custa de subsídios de fundos europeus, à custa de subsídios a empresas, à custa de exportação de mão-de-obra, subidas do PIB que não se traduz em investimento nem em desenvolvimento, etc... é preciso começar a desmontar. Porque, atenção, o PS na sua história depois do 25 de Abril tem uma coisa que eu tiro-lhes o chapéu. Eles quando vão para o poder controlam tudo, desde as nomeações até à influência na informação. Portanto, eles têm uma máquina muitíssimo bem montada. Reconheço a inteligência de António Costa em ter enrolado o Partido Comunista e o Bloco de Esquerda. O termo é mesmo este. Estão enrolados. Estão a fazer uma figura desgraçada. Parecem uns cãezinhos amestrados que estão ali à volta de António Costa com o argumento de que é preciso evitar a direita no poder quando o PCP e o BE são a direita, porque defendem um regime totalitário, quando o país deve, de facto, a António Costa algo que é ter evitado a direita no poder. Mas evitou o PC e o BE porque eles de facto não estão no Governo, de maneira que tiro-lhe o chapéu por ele ter evitado a direita no poder.
Quando diz que Rui Rio não tem a obrigação de ganhar em 2019, presumo que se ele não ganhar, o senhor não defenda que ele deva deixar a liderança do partido.
Eu para já defendo que Nosso Senhor Jesus Cristo me dê saúde e vida para daqui a dois anos eu ainda estar vivo. Eu já tenho a jovem idade de 75 anos portanto o primeiro passo é eu estar vivo para assistir a isso. Em segundo lugar, se Rui Rio não ganhar as eleições isto é um projeto a médio prazo. O PSD tem experiência destas coisas.
O senhor sabe como funcionam estes partidos grandes como o PSD ou como o PS, são partidos de poder que, quando não têm o poder, tipicamente é o líder quem sofre as consequências ou não?
É verdade que há isso na história dos dois partidos, mas a verdade também é que é altura de ter juízo. Se afastar Passos Coelho já foi um ato de juízo, acho que é preciso continuar a ter juízo senão, daqui a dias, andamos outra vez nas ruas da amargura. Eu penso que se o partido for assumido por pessoas de qualidade que saibam falar aos militantes e, sobretudo, à população, não se corre nenhum risco de instabilidade interna em função dos resultados daqui a um ano e meio.
Entretanto há duas eleições pelo caminho, europeias e regionais aqui na Madeira. Esses resultados podem também ajudar a consolidar a liderança de Rui Rio?
Podem. Mas, vamos lá ver, as eleições aqui na Madeira não vão ser fáceis por motivos em que eu não quero entrar por razões pessoais. Estamos a tempo de encontrar soluções, até porque as alternativas que se põem ao PSD são muito fraquinhas.
Paulo Cafôfo é um candidato fraco?
Muito fraco, muito fraco. É um bom autarca, mas não passa disso, não se lhe conhece qualquer pensamento sobre as questões vitais do país, não se sabe o que ele é ideologicamente. Não se sabe o que pensa da autonomia política, não se sabe o que pensa de questões fundamentais como o Estado central nos impor uma dívida que nós não temos de pagar; há aqui várias questões sobre as quais ele ainda não se pronunciou. Portanto, não se lhe conhece pensamento político. Para uma pessoa ser chefe de um governo, goste-se ou não se goste desse pensamento político, tem de se saber qual é ele.
A verdade é que, pela primeira vez, há uma sondagem que dá o PS à frente do PSD na Madeira.
Mas não é por causa da capacidade do Paulo Cafôfo.
Então é porquê?
Se se fizer uma lógica aristotélica, a razão é precisamente: premissa maior, premissa menor; é simples perceber porque é que se chega a essa conclusão.
É por demérito do atual presidente do Governo Regional?
Não sei, penso que sim.
Portanto acha que há, de facto, um risco de o PSD perder o poder na Madeira?
Há um risco se não se mudar a agulha, ainda falta um ano e meio, se não se mudar a agulha há o risco de perder. Se mudar a agulha, o PSD, mesmo com maus resultados nas autárquicas - repare que em termos de votos contados continua a ser o partido com mais votos aqui na Madeira -, não deve é perder a maioria absoluta.
Está desiludido com o trabalho de Miguel Albuquerque na Madeira?
Eu não estou desiludido nem estou satisfeito, estou, pura e simplesmente, fulo.
Fulo porquê?
Toda a gente percebe porque é que eu estou fulo.
Porque acha que ele não tem feito um trabalho à altura?
Estou fulo, estou irritado, estou zangado.
Mas o senhor está zangado com Miguel Albuquerque há alguns anos, não é de agora.
Não estou zangado pessoalmente com ele.
Politicamente...
Obviamente que eu faria uma política diferente da que ele está a fazer.
Ele agora até é acusado de ser jardinista.
Não diga isso, não diga isso.
A oposição disse isso no Parlamento Regional.
Eu lembro-me logo do Jô Soares que quando lhe diziam, "Sabe o que está a sucedendo aqui no Brasil? Isto e isto...", ele dizia do outro lado: "Não quer que eu volte, não quer que eu volte!"
[Risos] Vamos voltar à política nacional. Até às legislativas de 2019, Rui Rio é o líder da oposição. Que postura é que ele deve ter como líder da oposição, deve estar, por exemplo, disponível para fazer acordos com o Partido Socialista?
Deve ser ele próprio, em primeiro lugar. Não há regras de postura, eu nunca tive postura e, em segundo lugar, era indiferente ao que pensavam sobre as minhas posturas. Eu tenho uma qualidade de filho único que é não ligar ao que dizem, de maneira que fazia o que me apetecia. Portanto, eu não tenho de dizer qual é a postura. Agora, acho que está na altura de, patrioticamente, independentemente de o PSD estar ou não estar no Governo ou do PS estar ou não estar no Governo, os dois maiores partidos portugueses se entenderem e fazerem ainda as grandes reformas de que o país precisa.
Deixem lá as leis laborais! Eu acho que temos boas leis laborais, tem havido uma certa concertação social em Portugal. Os únicos sindicatos que abusam da paciência popular são os sindicatos dos transportes e os sindicatos do setor da saúde e, aí, para grandes males, grandes remédios, é o que se deve fazer à minha maneira. Portanto, as grandes reformas são a descentralização política do país; a despolitização da Justiça que inclui uma alínea que é a Justiça não ser explorada pelo mediático; depois, em terceiro lugar, nós não podemos estar a captar investimento estrangeiro e serem precisos 20 ou 30 papéis e ir a não sei quantas repartições. Tem piada, eu ouço todos os partidos e todos os governos a falar de reforma administrativa. Ela não está feita em Portugal, é preciso uma porção de papéis para coisas simples, não está feita e isso tem de ser atalhado. Estas são as grandes reformas, parem de me falar das leis laborais! As leis laborais nunca atrapalharam o desenvolvimento do país.
Portanto, Rui Rio deve estar disponível para, juntamente com o Partido Socialista, fazer essas grandes reformas, mas há uma outra questão que marcou de alguma forma a campanha interna do PSD que tem a ver com apostura que o PSD terá caso não ganhe as legislativas de 2019 e caso o Partido Socialista tenha uma vitória sem maioria absoluta. Rui Rio deixou claro durante a campanha que estava disponível para viabilizar um governo minoritário do PS, há quem ache que ele fez mal, há quem ache que ele fez bem. O senhor acha o quê?
Eu não acho nada, porque para viabilizar ou não viabilizar é preciso negociações e só depois de ver o conteúdo das negociações e o que está adquirido ou não está adquirido é que eu posso ter um julgamento de se acho bem ou acho mal.
Então Manuela Ferreira Leite não tem razão quando diz que o PSD deve vender a alma ao diabo para afastar a esquerda do poder?
Não, porque da esquerda o Costa tem-se encarregado. O Costa enganou-os e bem, de maneira que há que deixar esse papel ao Costa. O Costa é que está a varrer a casa e depois da casa varrida e arrumada é que nós vamos falar, agora deixe o Costa varrer a casa.
Desse ponto de vista, se fosse candidato à liderança do PSD não entraria nesse tipo de cenários?
Não, o que eu admitiria era o que sempre fiz na minha vida: cenário A, B, C, D e, muitas vezes cheguei a ir até ao cenário F.
Mas não acha que tenha sido um erro de Rui Rio durante a campanha?
Pelo contrário, pelo contrário. Acho que foi muito claro. Agora, o argumento para viabilizar o Governo do Costa não é para evitar que o Bloco de Esquerda e o PC entrem na área do poder, isso é um trabalhinho que o Costa vai fazendo, ainda não entraram até agora, vai-lhes dando umas gorjetas. É como aquelas atualizações que eles fazem de pensões, dão mais cinco ou sete euros e dizem que o povo está feliz, vão lá enganar o outro com essa conversa [risos]. A pobreza envergonhada continua a não receber nada e a classe média está sobrecarregadíssima de impostos. Isto está tudo errado. Mas deixe o Costa ir enrolando as duas organizações comunistas, BE e PCP.
O que tem de ser feito é o seguinte: o objetivo não é saber se o Costa está ou não com base numa maioria parlamentar que tem os comunistas, o que interessa é saber o que é que o Costa, em concreto, faz pelo país se o PSD lhe viabilizar o governo. O caderno de encargos tem de ser outro: as grandes reformas do país. Esta é a minha posição de Estado, senão vamos passar a vida inteira em Portugal a brincar aos partidos.
Estranhou não haver mais candidatos à liderança do PSD, tendo em conta os nomes de que se falava?
Não, não estranhei. Sabe porquê? Porque, no fundo, o que estava me jogo era manter o passismo ou voltarmos ao PSD tradicional. Portanto, quando há este maniqueísmo de situações não vale a pena aparecerem terceiros e quartos candidatos, nem sequer tinham lugar. Não havia aqui meio-termo.
Não acha que alguns se guardaram para mais tarde?
Depois vão parecer de bengala, tanto se vão guardando que vão aparecer de bengala.
[Risos] Já decidiu se vai ao Congresso?
Vou, vou ao Congresso.
E que mensagem é que vai levar ao Congresso, quer falar no Congresso?
Não posso falar porque, primeiro não estou para falar às 3 horas da manhã...
Toda a gente pode falar.
Só tenho direito a três minutos e três minutos dão para desejar boas-festas já para o ano que vem.
Portanto, não vai falar, mas vai ao Congresso?
Vou até lá, se me arranjarem um cantinho para falar ainda falo, mas vou lá ver os velhos amigos.
Se puder falar o que é que vai dizer ao Congresso?
Se eu falar desejo-lhe uma boa audição.
Acha que há no partido quem tenha medo que o senhor fale?
Se havia dentro do PSD quem quisesse que eu perdesse as eleições de 2011 onde tive maioria absoluta... É para que se veja o amor que certa gente lá me tem.
Ainda sobre o Congresso, está disponível para ajudar Rui Rio no que ele precisar, para integrar algum órgão do partido se ele quiser ou para ser candidato a alguma coisa?
Sim, sim, mas tive já o cuidado de lhe dizer que, aqui, fiz o que podia fazer por ele, aliás era um compromisso, porque há muito tempo que eu falava ao Rui Rio sobre esta candidatura dele à liderança do partido e, quando ele venceu, a última conversa que tivemos foi: "Eu não quero lugar nenhum, eu não quero pertencer a nada, eu levo uma vida feliz, como há muitos anos não levava, tenho 75 anos, deixem-me gozar o resto do meu tempo antes de ficar tonto". O que, civicamente ou militantemente como membro do partido, eu puder ajudar, eu ajudo, não quero saber mais de tachos nem de cargos nem de nada.
Isso é de vez?
É claro que é de vez. Quando se toma uma opção na vida é de vez. [Risos]
Pergunto isto porque em 1978, quando o senhor assumiu a presidência do Governo Regional...
Homem, as minhas opções foram todas de vez. Eu sou casado há 48 anos, estou agora a preparar uma festa de 50 anos. Eu é que era o borga, mas eu cá estou casado há 48 anos e esses gajos andam para aí já casados quatro ou cinco vezes.
Não vá por aí, porque quando era presidente do Governo regional disse várias vezes que ia deixar e recandidatou-se depois de ter dito que ia deixar...
Não tem nada a ver com o casamento, que eu não estava casado com o Governo. [Risos]
Não estou a falar do casamento, estou a falar da política. Em 1978, quando assumiu pela primeira vez a presidência do Governo Regional disse que a Madeira será o que os madeirenses quiserem. Esta minha pergunta tem a ver com isso. Se os madeirenses quisessem, o senhor admitia voltar à política ativa?
Não. Não, porque a vida deve ser feita de tempos. O meu tempo de governo passou. Eu intervenho, escrevo, ajudo no que for preciso, mas passou. É um tempo que lá foi, que me deixa boas recordações, penso que também não deixei más recordações, a não ser no Povo Unido que ainda andam histéricos e a descobrir quem é que ainda é jardinista e não é jardinista e tal... Adoro este termo "jardinista", enche-me o ego, mas eles andam na perseguição de quem é que ainda é jardinista e quem não o é.
Eu estou bem com a população. Eu fiquei pior com o partido do que fiquei com a população. Ando na rua e toda a gente me trata bem.
E pedem-lhe para voltar?
Pedem, mas o Alberto João até lhes dá uma repreensão porque essas coisas não se pedem nem se exigem.
Como é que está a sua relação com Miguel Albuquerque?
Damo-nos bem, pessoalmente. Politicamente temos as nossas discordâncias, não vem daí drama nenhum ao mundo.
Quando pergunto se admite voltar à vida política ativa, já tendo excluído por completo o Governo Regional da Madeira, exclui mesmo qualquer outra coisa, um cargo na Europa, eurodeputado?
Seja o que for, acabou. Acabou. Eu que detesto o frio, tenho andado danado com o frio que está para aí, já viu o que era eu no meio do frio, quer-me matar? O Passos Coelho é que, a certa altura, para ver se eu saía mais cedo do Governo daqui, me ofereceu um lugar no Parlamento Europeu, mas eu disse-lhe que já não tinha idade para ser emigrante.
Quando é que foi isso?
Foi depois das eleições regionais de 2011.
Foi quando acha que o partido o quis afastar daqui?
Sim. Tinham de me tirar daqui de qualquer maneira. Não conseguiram tirar com as eleições de 2011, o candidato dele perdeu as eleições internas de 2012 comigo, portanto, logo a seguir, era preciso inventar outra para ver se eu ia nessa.
Este mês passam oito anos sobre as cheias na Madeira. Morreram mais de 40 pessoas. Com este distanciamento de oito anos como é que olha para aquele dia?
Foi de certeza o meu pior dia de 37 anos de Governo. Mas, sabe, eu sou contra o espírito de lamúria que está um pouco na cultura nacional - esta coisa de gostar de recordar tragédias, de mostrar as coisas a desmoronarem-se, de mostrar gente a morrer -, eu sou contra isso tudo. Até houve umas cabeças que queriam fazer na madeira um monumento aos mortos das cheias. Um monumento! Quando muito, faz-se um memorial, não se faz um monumento aos mortos de umas cheias. Há sempre uma certa exploração. A situação foi horrível porque houve mortos, essa foi a principal razão de ter sido horrível. Houve também um enorme desastre, mas a partir das 10 horas da manhã, eu assumi o controlo da situação, as coisas foram-se enfrentado, e, três meses depois, o Funchal fazia a sua Festa da Flor. Claro que tive de dizer muitos palavrões para pôr isto tudo a funcionar, tive de empurrar os gajos que estavam a fazer cera, mas pôs-se isto tudo direitinho.
Ainda se estão a arranjar umas coisas aí mais complexas, por exemplo, há obras ainda em regueiras... E a cidade até ficou mais bonita. Até o litoral da Madeira foi remodelado para melhor. O meu sucessor no Governo queria que o litoral ficasse ali sempre com aquele monte de pedregulhos onde, às vezes, certas pessoas, a meio da noite, defecavam no meio dessas pedras e que estavam sempre sujas. A Câmara do Funchal, então presidida por ele, opunha-se claramente à Praça do Povo que se fez ali, àqueles melhoramentos. Hoje, o atual Governo da Madeira faz todas as festas lá. Não queriam, mas estão lá a fazer as festas todas.
O Governo Regional, na altura liderado por si, foi acusado de esconder informação, sobretudo em relação ao número de vítimas mortais...
Não é verdade isso.
Controlou de alguma maneira aquela informação?
Não, não. Como sabe, eu devo ser dos raros políticos em Portugal que não tem qualquer receio da comunicação social, o que tiver que dizer no seu nariz, digo, os senhores também estão autorizados a me dizer tudo o que pensarem de mim, que eu não me importo. [Risos] O que se passou foi o seguinte: eu penso que numa região que vive do turismo como a Madeira vive, que é uma região que tem uma economia muito frágil, muito dependente do exterior, até na própria vida comercial - nós importamos 80% daquilo que consumimos, o que implica também situações de ter ou não ter créditos bancários, etc. -, todo o cuidado é pouco com a imagem desta região. E estar dias seguidos sempre com as mesmas imagens, sempre a dar as mesmas coisas, acho que prejudica a população da Madeira.
O direito à informação é um direito que ninguém discute, mas eu sempre aprendi que entre dois direitos que se tornam incompatíveis tem de se optar pelo mal menor. Eu dou um exemplo: aqui nas Canárias, sempre que há uma tragédia é a televisão de Canárias, vá lá ver se eles cedem as imagens cá para fora. Não, não dão. Eles tiveram também problemas iguais às da Madeira - e morreu gente também -, veja se viu uma única imagem passada pela televisão das Canárias cá para fora.
Portanto, assumo que tentou controlar de alguma forma o impacto?
Não, não tentei controlar, protestei, o que é diferente. Uma coisa é protestar e criticar, outra coisa é controlar, eu não sou dono de nenhuma rádio nem de nenhuma televisão, como é que eu ia controlar?
Mas a informação saía do Governo Regional da Madeira.
Isso são balelas que a comunicação social, ainda hoje, usa para se vitimizar e dizer que os políticos são uns malandros. Não. É mentira. Neste caso quem é malandro é quem, na comunicação social, diz que eu quis controlar.
E a Madeira está hoje mais bem preparada para enfrentar uma situação de catástrofe?
Penso que sim. As obras feitas no "jardinismo", para usar um termo que eu adoro, aguentaram-se, as que foram ao chão foram as do Estado Novo. [Risos] Isto não é para rir sequer. Com os novos processos que há de construção obviamente que as coisas vão ficando mais seguras.
Nos últimos 30 anos, o que é que mudou no país para melhor?
Quase tudo, quase tudo. É uma injustiça. Claro que o país comparativamente com a União Europeia não cresceu tanto como ela, se calhar a qualidade de vida não se aperfeiçoou tanto como na União Europeia, mas não há dúvida de que nestes 30 anos, estivesse quem estivesse no poder, foram um esforço muito grande para sairmos do Portugal obscurantista, reles mesmo, que isto era o tempo da ditadura.
E para pior, o que é que mudou?
Mudou, de certo modo, o desrespeito pelos direitos, liberdades e garantias - evidentemente que hoje temos mais direitos, liberdades e garantias -, estou a falar no desrespeito por elas. Obviamente temos mais direitos, liberdades e garantias que há 50 anos ninguém sonhava ter num Portugal esclerosado. Mas, hoje não há um respeito por esses direitos, liberdades e garantias. As novas tecnologias permitem a todos os atrasados mentais, frustrados, patologias psíquicas, farrapos humanos, drogados, usar um aparelho, até na comunicação social, cartas do leitor, e todo o louco neste país tem voz. Isto afasta, muitas vezes, a discussão dos assuntos sérios, porque ninguém se vai querer pôr a discutir assuntos sérios num local onde os loucos dizem patachadas. Quando eu me quero rir muito (isto não é com a TSF, mas é com as televisões) ligo aqueles programas de televisão que há por aí à tarde, em que o povo unido está a dizer coisas, a fazer perguntas e a pôr questões, eu rio-me à gargalhada com o que vai na cabeça do povo unido.
E nos próximos 30 anos, que transformações é que imagina no país?
Não haverá transformações se não houver transformações constitucionais.
E no mundo?
O mundo tem de ter muito cuidado para que o avanço tecnológico, que está a uma velocidade que nós há dez anos não imaginávamos, não venha causar novas ditaduras sub-reptícias, não venha aumentar o poder do capitalismo selvagem, até a China já é hoje um capitalismo selvagem, embora seja um capitalismo de partido único e direção central, quando aquilo é socialismo, o meu gato é socialista. Portanto, é preciso ter muito cuidado em manter a humanização da sociedade em todo o planeta e evitar que o progresso tecnológico seja fonte de ditadura política, fonte de capitalismo selvagem, fonte de desemprego, etc. Este é o grande desafio da nossa civilização.
Há algum acontecimento nos últimos 30 anos que tenha acompanhado pela TSF?
Eu acompanhei muitos acontecimentos pela TSF. A TSF está de parabéns porque nos prende a atenção, se eu for a guiar e a ligar, fico lá preso na TSF.
Para si, a TSF é um sinónimo de quê?
É um sinónimo de qualidade e um sinónimo de liberdade.
Consegue completar o slogan "TSF, até ao fim da rua"?
Até ao fim da rua e pelo monte fora!