A justiça da Justiça



Todas as nossas crenças de uma sociedade justa e perfeita caíram por terra quando soubemos que, em Portugal, um Procurador da Republica é suspeito de corrupção. Que um Juiz é suspeito de receber dinheiro para alterar acórdãos. Que um órgão de investigação é acusado de armar uma marosca num furto de armas. Que um polícia roubou 300 euros a um turista no aeroporto de Lisboa. E que um oficial de justiça é suspeito do mais hediondo dos crimes.

Afinal todos aqueles que julgávamos que - pela postura deontológica - estavam acima de qualquer suspeita, são apenas vulgares pecadores iguais a todos nós. Na verdade, afinal Deus enganou-se e fez-nos iguais!

É sabido que num Estado de Direito exige-se que os órgãos de soberania sejam independentes, isto é, que a indispensável independência dos órgãos garanta a justiça igual para todos. Infelizmente na prática isso não existe, os eleitos mandam em todos e em tudo, nomeiam e exoneram sem prestar contas ao povo que os elegeu. Não foi por acaso que ficamos sem conhecer os verdadeiros motivos da substituição da Dra. Joana Marques Vidal, a Procuradora Geral da República mais eficaz e mediática de sempre. Pela treta da idade não foi, porque ambas têm 66 anos, e a história do limite de mandatos está mal contada!

Todos sabemos que a Justiça é o pilar da democracia, e não é por acaso que, desde sempre, o PSD-Madeira tentou regionalizar a Justiça. Com que intenções? Torna-la célere e justa, ou apenas submissa ao poder político? Não tenhamos dúvidas que se a Justiça for regionalizada então todos os axiomas da liberdade podem estar em perigo perante interesses obscuros.

Mesmo sem regionalização, a investigação criminal na Madeira peca por ser minimalista. As orientações superiores são para se resolver depressa e pelo caminho mais curto, isto é, os processos são montados em cima do joelho para convencer o Juiz de Instrução e depois os Tribunais que resolvam. É comum muitos processos irem a Tribunal com pontas soltas inexplicáveis que roçam o amadorismo.

Por exemplo, não se percebe, nem se entende, que numa investigação criminal se apreenda os telemóveis aos arguidos, investigue-se as chamadas e os SMS, e se ignore o WhatsApp e o Telegram que são as comunicações encriptadas mais conhecidas para cometer os crimes em segredo. Isso é o que o se chama ter o pássaro na mão e deixa-lo fugir. E que fique claro que, ao se deixar pontas soltas numa acusação, isso pode sintomatizar um mau juízo do coletivo de juízes, que vai julgar apenas o que está na acusação.

E evidente que a PJ e o Ministério Público na Madeira trabalham apenas para as estatísticas dos números. Alguns Procuradores não gostam de casos complexos que corram o risco de se arrastar infinitamente nos Tribunais. No fundo, todos eles querem evoluir na carreira e voltar para a santa terrinha sem problemas de maior, e por isso, no fim, não é de estranhar ver  os casos menores serem cirurgicamente publicitados nos jornais apenas para provar que a Justiça funciona e o Procurador é bom. E os casos  de corrupção mais importantes? Ficam na gaveta?

E por falar em casos de corrupção, não foi por acaso – nada é por acaso – que no  "Cuba Livre", o Mandato de Busca à então Secretaria Regional do Equipamento Social fosse executado em segredo pela GNR, deixando a PSP e a PJ numa posição melindrosa. Afinal o próprio Sistema não confia no Sistema?

Felizmente, com o caso de Tancos, a Polícia Judiciária abriu a caixa de Pandora, e agora, que ninguém se espante que a PSP vá investigar a ASAE, o SEF a GNR, e a GNR a PJ, isto é, isto agora já não vai lá com paninhos quentes, e nada será como antes.  A presunção de inocência é agora um mito, e para a Justiça  todos somos potenciais criminosos até que se prove o contrário.

É a justiça da Justiça.
Nenhum segue mais leis que as da conveniência própria. Imaginar o contrário é querer emendar o mundo, negar a experiência e esperar impossíveis.
Padre António Vieira