Esta noite, já passava das 23.30h e o barulho provocado pela festa de finalistas das grandes escolas secundárias do Funchal, com a intenção de angariar fundos para uma suposta Lista B (Bestas? Burros? Brutos? Betos? Brutamontes? Biltres? Bimbos?), não deixam dormir os doentes internados no Hospital Dr. Nélio Mendonça, muitos em estado terminal, que nos olham com a esperança de podermos agir.
Impotentes, assim estamos, em agonia e relembro parte do meu juramento de Hipócrates:
(...) A vida que professar será para benefício dos doentes e para o meu próprio bem, nunca para prejuízo deles ou com malévolos propósitos (...).
(...) Se eu respeitar este juramento e não o violar, serei digno de gozar de reputação entre os homens em todos os tempos; se o transgredir ou violar que me aconteça o contrário. (...)
Não tenho a coragem de dar a cara como o colega Rafael Macedo que denuncia a peito aberto. Estou ainda no início de outras vidas. Não pretendo ser voz da maioria dos que aqui estão, dos tais que nem força para acreditar têm. Mas, é necessário denunciar.
Autorizar que no estádio do Marítimo (o estádio do regime, dizem) aconteçam eventos com níveis de som tão elevados, perto de um hospital e a horas despropositadas é um crime. Mais um que passa impune.
Impotentes, estamos a assistir ao degradante retrocesso de um sistema social e ao fim dos valores da nossa comunidade liderada por incompetentes e sem qualquer sentido cívico.
No Sistema Regional de Saúde, cujos profissionais são os verdadeiros heróis, somos todos vítimas. Conviver com a impotência nos rostos de tantos doentes é muito duro, mesmo para os extraordinários profissionais de saúde que no dia a dia vão alimentando a esperança dos que a morte enganam.
Estamos num estado de guerra, contra a ignorância, em forma de herança. Uma dívida que se renova e nos matará a vocação para cuidar.
Os profissionais de saúde renovam as forças na sua elevada vocação para contornar de forma técnica e criativa as falhas de material, para combater o desrespeito pelas horas de descanso dos doentes, a luta diária de salvar vidas, de forma anónima sim, mas nunca incógnita, por isso escrevo com a alma dilacerada por ver morrer todos os dias, ignorados porque que já não conseguirão votar nas próximas eleições, tal como os que já não verão os filhos crescer, porque a vida acabou, cedo demais. É sempre cedo demais.
É por estes, que estas palavras deverão ecoar nas consciências dos que se abstém nas eleições, renovando o poder aos que nos fizeram ter uma dívida eterna e cíclica de betão, alicerçada nos pilares da ganancia dos que enganaram um povo, que na canga das dívidas, calcorreia vias rápidas, dominado pela estupidez, não vota, mas corrompe a esperança dos que morrem, mergulhados na berraria de uma lista B, qualquer.
Faço de dentro do hospital, um apelo a todos os madeirenses, portosantenses, ou seja a todos os cidadãos que tenham aqui um familiar, amigo ou simplesmente que sinta compaixão por quem está internado, que não deixem de enaltecer diariamente o trabalho dos profissionais do Sistema de Saúde, onde, tal como os doentes são vítimas e mais tarde ou mais cedo, estarão a pagar o preço de não agirmos a tempo, renovando o stock de votantes das listas B da nossa sociedade.
Quem autorizou? Quem abusou? Não há Lei nem autoridades? Ahh são gente protegida? Asco!
Quem autorizou? Quem abusou? Não há Lei nem autoridades? Ahh são gente protegida? Asco!
"Ninguém se pode possuir inteiramente, porque se ignora, porque somos um mistério. Para nós mesmos. Podemos sim, ser mais conscientes de uma determinada missão que temos no mundo. Todos nós somos uma missão. Somos a missão de continuar a vida, aperfeiçoando-a, festejando-a e não destruindo-a como se está a fazer hoje"
in 'Entrevista (1983)'