Saiu-me na rifa o nº 73.
Estava eu na fila do talho do Pingo Doce do Forum Madeira, e à minha frente deviam estar umas três pessoas. Como ia ser rápido aguardei no local olhando distraidamente para as peças de carne Acém com bom aspeto e para a perna de peru que estava com 25% de desconto.
Estava eu a imaginar a perna de peru já assada, quando fui interrompido por uma senhora aos gritos, sim aos gritos, que dizia que tinha direito ao atendimento prioritário. A senhora trazia no cesto uma criança sentada no meio de meia dúzia de compras, e por isso, de acordo com o Decreto-Lei n.º 58/2016, de 29 de Agosto, tinha direito ao atendimento prioritário. O funcionário do talho pediu à senhora para aguardar enquanto acabava de servir o nº 70. E a senhora insatisfeita com a resposta ainda resmungou qualquer coisa imperceptível.
Enquanto a suposta mãe com um ar emproado e superior, segurando uma caríssima Louis Vuitton, olhava para a montra da carne, entretive-me a observar a criança que bebia um iogurte de morango e dei comigo a pensar se a Lei do Atendimento Prioritário também permitia que a criança bebesse o iogurte antes de pagar? Sorri.
Esperei pela minha vez e depois fui às restantes compras, e surpreendentemente enquanto segurava um pacote de arroz, passou por mim uma criança aos gritos numa correria louca incomodando os outros clientes do corredor. Era a criança do iogurte! Será que caiu do carro e perdeu a mãe?
E se dúvidas houvessem, encontrei-os outra vez na caixa, com a criança já dentro do carro para ter o direito ao Atendimento Prioritário. É uma sacanisse pérfida!
Não é primeira vez que vejo a utilização abusiva de crianças para obter prioridade no atendimento. É vê-los a correr e a brincar sozinhos aos gritos nos espaços comerciais e quando chega a vez de ir para a fila são colocados ao colo.
A lei do Atendimento Prioritário assegura a obrigatoriedade de prestar atendimento prioritário a pessoas com deficiência ou que demonstram incapacidade, pessoas idosas com idade igual ou superior a 65 anos que demonstrem limitações físicas e mentais, e ainda a grávidas e pessoas acompanhadas de crianças de colo, até aos dois anos.
A Lei também diz, que em caso de dúvida, os adultos que acompanham as crianças terão de comprovar a idade da criança, no entanto a lei é omissa em pedir às grávidas o teste positivo de gravidez. E se a senhora ficou grávida no estacionamento há uns minutos atrás? Não tem direito ao atendimento prioritário?
Estou convicto que o Legislador quando cria as leis, fá-lo com os objetivos mais nobres e justos, mas existem sempre uns energúmenos que utilizam-na abusivamente como mais lhes convém.
Mas nem todos usam os seus direitos ignorando os dos outros, e na memória ficou-me um jovem pai com um bebé ao colo ao qual perguntei se queria passar à frente, ao que o jovem sorriu e respondeu que não era nenhum deficiente, e porque se foi bom faze-lo, também é bom carrega-lo.
Haja bom senso!
"É preciso que os homens bons respeitem as leis más, para que os homens maus respeitem as leis boas."
Sócrates