O leão e as hienas


Enviado por Denúncia Anónima
Quinta-feira, 24 de Janeiro de 2019 00:30
Texto e título do autor. Ilustrações CM.

O leão e as hienas
Uma fábula dos tempos modernos

Durante 40 anos um imponente leão de juba eriçada, rugido tonitruante e olhar fulminante, governou uma ilhota atlântica no perímetro africano, com astúcia e mestria, mercê de artimanhas, jogos, cumplicidades e a alimentação de interesses particulares de alguns animais protegidos: macacos, abutres, aves, gambás, éguas, girafas, ratos e alguma canzoada, com quem dominava o território.

Ao mesmo tempo montou uma estrutura de vigilância e controle, efectuada por alguns lobos fiéis, para assegurar e dirigir os rebanhos de cabras, carneiros e ovelhas, além das tradicionais varas de porcos, “motivando-os” a ir todos os anos ao beija-pata na serra, numas festas bem comidas e melhor regadas, que definiam quem estava com ele ou não. Era bonito de se ver. A elite animal tinha um dia de humildade obrigatória nas poeiras ensolaradas, descia do alto seu pedigree e durante algumas horas, trocava mimos de igualdade, tu cá, tu lá, com o resto da bicharada, como se fosse assim todo o ano.

Como é óbvio, viveram muitos anos felizes, uns com o seu pedaço de carne e outros com algum osso, ardil e astuciosamente distribuído.

Até que um jovem papagaio, ciumento do protagonismo e do poder do velho leão, e mercê de boas promessas e das ilusões das suas lindas penas, promoveu um golpe e fez-se eleger rei, depois de mobilizar a maioria das raças de animais que lá se tinham encostado ao longo dos anos.

O velho leão caiu em desgraça, e saiu triste e revoltado. Foi escrever as suas memórias na gruta onde nascera, mantendo o contacto com algumas onças de confiança com quem tinha trocado caça, em convívios discretos, visando minar o trabalho do seu sucessor. O ódio levava-o a lavar a alma dos desaforos de quem lhe mordera as patas.

Afinal, “Roma não paga a traidores”.
O jovem papagaio foi governando a ilhota, mas foi caindo em desgraça. A sua popularidade foi baixando, pois além de desejar governar como a rainha de Inglaterra, também escolheu algumas hienas incompetentes para o seu governo. Para maior azar, também tinha que lidar com os humores e interesses de alguns bichos que o obrigaram a mudar o governo várias vezes.

As intrigas do velho leão foram actuando e fragilizaram de tal forma a acção do papagaio, que este teve que engolir alguns sapos gordos, e pedir a sua ajuda para dar um sinal de união à bicharada, obrigando-se a convidá-lo para discursar num encontro de bichos que ocorreria em breve. É que ainda podia haver uma debandada e algum bicho mais sensível podia ser atropelado na correria e, com a presença do velho leão essa hipótese estava atenuada.

Poucas semanas antes, afastara alguns canários e algumas lesmas do seu séquito, devido à sua incompetência, e teve que reintegrar várias cobras amigas do velho leão, despachadas quando tinha tomado o poder. Ou seja, tinha-se habituado ao sabor dos sapos.

O velho leão foi ao encontro, de juba eriçada e ar de vitória. Estava a lavar a alma. A vingança era doce. Rugiu quase tão bem como antigamente, mas o impacto na assistência já não foi o mesmo. Uma lagartixa, que sempre desejou ser jacaré, disse a um pombo-correio jornalista, que tais rugidos já nem assustavam os gnus. Um bode também afirmou que tinha uma gavela de erva para um encontro amoroso e uma cabra montês disse que ia afiar os cornos na parede da esquina, enquanto a cannabis não estava disponível no mercado, pois aqueles rugidos com baba, além de já não serem kool, estavam démodé. Modernices, pois claro.

Mas o velho leão, matreiro de muitas lutas, não se preocupou demasiado com os pastos e a falta de carne da ilhota, tendo preferido atingir o inimigo externo da metrópole, atacando um conhecido tigre-de-bengala, ou tigre-indiano, um felídeo de pêlo branco e sorriso fácil, conhecido por ser o fantasista, mentor duma célebre geringonça, e deu pouca atenção aos pastos da ilhota, saindo discretamente quando terminou. Afinal estava vingado.

Só que outros animais revoltados com o tal poder de 40 anos, uniram-se e conseguiram eleger alguns anos antes um mocho careca, animal sábio e avisado pela história, para governar a capital da ilha, numa mudança que nunca se tinha visto antes. A sua prática e simpatia atingiram tal notoriedade, que foi convidado a candidatar-se a eleições para governador da ilhota.

Entretanto o diário independente da ilhota, apresentou à bicharada no dia desse encontro, os resultados duma sondagem que realizou sobre as potenciais candidaturas a governador da ilhota e estes não foram nada animadores para o papagaio e seus seguidores.

Mas não se preocupem, ouvi dizer que a protecção animal já providenciou abrigos, água e alimento para os muitos ratos com problemas de memória e orientação que poderão surgir repentinamente até Outubro, para que não fiquem perdidos no meio da selva sem amparo.