Quando tudo isto passar hei de me lembrar que estivemos perante um inimigo invisível que atacou a seu bel-prazer porque os governantes não sabiam como enfrentá-lo e submetemos as nossas famílias à vulnerabilidade.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que a Diretora Geral da Saúde, Graça Freitas, anunciava, antes do surto atingir Portugal, que o mesmo não era contagioso e não era susceptível de atingir Portugal, estando inclusivamente controlado na China. Que pobreza intelectual, recordar-me-ei.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que o Primeiro-Ministro, António Costa, sorriu tantas vezes para as Câmaras como se estivesse em campanha eleitoral, recusou-se a encerrar os aeroportos das regiões autónomas da Madeira e dos Açores limitando as actuações dos respectivos governos insulares e adiou e adiou as decisões que deveriam ser tomadas. Que visão mais obtusa e egoísta, recordar-me-ei.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que o egoísmo e histerismo levou conterrâneos meus a olhar para o seu umbigo e apenas para ele correndo para os supermercados açambarcando tudo o que podiam e da forma como podiam. Que histerismo quando devia imperar o altruísmo e a calma, recordar-me-ei.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que o Presidente da República agenda num Domingo, dia 15 de Março, a decisão de declaração do Estado de Emergência, para uma quarta-feira, dia 18 de Março, perante um inimigo que se ia alastrando a cada hora. Que serenidade excessiva quando há vidas em jogo, recordar-me-ei.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que o Presidente da Região Autónoma da Madeira, Miguel Albuquerque demorou muito tempo para agir em conformidade dizendo no dia 12 que as escolas manter-se-iam abertas e ordenando o encerramento no dia seguinte e sendo ainda obrigado a mudar a sua postura devido ao alerta do hoteleiro madeirense Carlos Fernando Martins. Que confusão foi aquela, recordar-me-ei.
Quando tudo isto passar hei de me lembrar que no dia, 17 de Março, em que a Madeira declara o primeiro infectado, uma turista holandesa, a Vice-Presidente do Iasaúde na Madeira, Bruna Gouveia e o delegado de saúde, Maurício Melim, anunciam que não haveria risco de contágio pelos madeirenses uma vez que a turista estaria assintomática. O mundo todo sabe que o problema de detectação do vírus ou do seu contágio é precisamente por via dos assintomáticos. Bastaria estar atento ao início da pandemia em Wuhan. Que vergonha de quem nos governa, recordar-me-ei.
Hei de me lembrar de tudo: das festas do Corona, das idas à praia em dias de quarentena, das noitadas em Lisboa, dos turistas a dançar na baixa funchalense, dos açambarcamentos, do desnorte dos governos… mas lembrar-me-ei essencialmente dos nossos irmãos, pais, avós, filhos, que pereceram.
Mais do que arranjar culpados, hei de me lembrar que deixamos de ser do PSD e apontar o dedo ao PS, ou ser do PS e apontar o dedo ao PSD; Lembrar-me-ei de que mais do que ser do Porto, ou do Benfica, ou do Sporting, Marítimo, Nacional ou União; mais do que ser preto, branco, amarelo ou vermelho; gay, hétero ou bissexual, eu fui um só a sofrer de ansiedade pelos meus irmãos, a chorar os mortos dos meus conterrâneos. Mais do que todas as divisões, eu fui um país apenas pois a Graça errou, o Costa errou, o Marcelo errou, o Albuquerque errou mas eu, que não fiquei em casa quando todos eles me pediam para ficar, também errei. E quando voltar a poder abraçar, e se ainda aqui estiver, quero chorar no ombro de alguém e voltar a sentir o calor de um afecto porque eu vivi o momento de todos os erros!
Enviado por Denúncia Anónima
Terça-feira, 17 de Março 2020 21:34
Texto enviado pelo autor. Ilustração e título inspirados no texto pelo CM.