As Cunhas “Adequadas”


Ultimamente têm vindo a público casos de procedimentos concursais para cargos dirigentes na Função Publica com grandes indícios de irregularidades e de favorecimento pessoal, onde no limite falta apenas publicar o nome do candidato pretendido.

Alguém famoso disse uma vez que as leis são feitas para serem violadas, por isso se alguém pensa que este tipo de expediente ilícito só acontece na Madeira engana-se. Em Portugal Continental é o pão nosso de cada dia, mas a grande diferença é que os funcionários públicos do continente não são tão totós como os da Madeira. 

Enquanto os funcionários do Continente protestam e impugnam os procedimentos, os da Madeira que se julgam injustiçados não concorrem, quer por medo, ou porque não querem problemas, ou ainda porque lá no fundo ainda têm uma ínfima esperança que alguém algum dia se vai lembrar deles e vão poder chegar a um cargo de chefia por mérito. Sinceramente? O melhor mesmo é esperarem sentados!

Se na Madeira assiste-se passivamente aos atropelos da lei em nome do tachismo, em Portugal Continental não é bem assim. Um exemplo de sucesso da perseverança é o caso de um Município do norte de Portugal, curiosamente também do PSD, que lançou um procedimento para o preenchimento de uma vaga numa Direção de Serviço em que se exigia que a tal licenciatura “adequada” fosse engenharia civil. O que aconteceu a seguir foi que dois funcionários do Município, um licenciado em Arquitetura, e outro em Direito, não se contiveram e concorreram ao cargo e corajosamente levaram o caso até às últimas consequências. O procedimento foi anulado e os responsáveis sentaram o cuzinho no Tribunal e foram condenados.

Repare-se nos últimos casos tornados públicos aqui no CM, como o do afastamento da responsável da Segurança Social pela execução das dívidas, que era licenciada em Direito, e que estranhamente vai ser substituída por alguém licenciado em economia. Então durante mais de 10 anos que a licenciatura adequada para o cargo era Direito, e agora descobriram que o mais adequado mesmo devia ser economia. Só falta dizer o nome de que tem de ser adequado ao stress do cargo.

E como se tudo isto não bastasse, há ainda casos mais caricatos como o do irmão do Chefe de Gabinete do Sr. Secretário Regional de Economia, em que no anúncio se considera “Ciências da Cultura” adequada a Dirigente da ARAE, com a agravante da entrevista ser o único método de seleção, ou seja, nem a avaliação curricular é contabilizada. 

O que a Lei diz é que um dos requisitos necessários para um cargo dirigente é uma licenciatura “adequada” às funções a exercer. Na prática assiste-se à interpretação abusiva da legislação, esquecendo-se que na jurisprudência, o que o legislador pretendeu com o termo “adequado” é exatamente isso, que o candidato esteja o mais preparado possível para o cargo a que se candidata. Concluindo, ipsis litteris é perfeitamente claro que a licenciatura adequada deverá ser aquela que possui mais cadeiras conexas com as funções a exercer.

O problema é que na Madeira existe um sentimento de impunidade até ao dia em que tudo vai correr mal. Alguns juristas entendem que a licenciatura “adequada” referida na lei, é a aquela lhes dá na veneta, isto é, sentem-se no direito de optar pelo livre arbítrio conforme a força da cunha. 

Os casos são tantos e tão dúbios que até o Provedor de Justiça tornou publica uma recomendação sobre a interpretação de licenciatura “adequada”. Por fim cabe ao Ministério Publico investigar os eventuais crimes e punir os infratores. In claris non fit interpretatio.

Enviado por Denúncia Anónima
Sexta-feira, 6 de Março 2020 21:51
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